Existe algo mais nobre do que buscar a santidade? Afinal, fomos criados para o céu, para a união eterna com Deus. São Paulo nos exorta:
"Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação" (1Ts 4,3).
Mas o que acontece quando esse desejo santo se transforma em obsessão doentia? Quando a busca pela perfeição espiritual vira uma espécie de prisão mental da qual não se consegue escapar?
Isso tem nome: escrúpulos de consciência.
Imagine viver todos os dias com estas perguntas martelando na sua cabeça:
"Será que aquele pensamento foi pecado mortal?"
"Será que minha confissão foi válida?"
"Será que posso comungar ou estou em pecado?"
"Será que Deus me perdoou de verdade?"
"Será que não esqueci de confessar algo importante?"
Agora, imagine que essas perguntas não param nunca, do momento em que você acorda até a hora de dormir, e, mesmo durante o sono, elas vêm em forma de pesadelos.
Essa é a realidade de quem sofre de escrúpulos: uma prisão mental invisível, mas devastadoramente real.
Padre Leonardo chama os escrúpulos de "nós espirituais" — amarras que prendem a alma e impedem o verdadeiro crescimento na vida de graça.
Quais são alguns desses nós?
A pessoa se confessa, mas sai do confessionário achando que não confessou direito, que ela esqueceu algo, que o padre não entendeu, ou que precisa confessar tudo de novo.
Então, volta na semana seguinte, e na outra, e na outra, sempre com a mesma angústia: "Será que dessa vez valeu?”
Mesmo tendo acabado de se confessar, a pessoa acha que não pode comungar. Por quê? Porque durante a Missa passou pela cabeça um pensamento ruim, ou porque se distraiu por um segundo, ou porque olhou para alguém e sentiu alguma coisa.
Resultado: fica a Missa inteira angustiada, e, na hora da comunhão, não vai comungar.
Ou, se decide comungar, fica depois atormentada, pensando que cometeu um sacrilégio.
A pessoa lê em algum lugar na internet que determinada ação gera excomunhão automática. Então, começa a remoer:
"Será que eu fiz isso?”
"Será que estou excomungada?”
"Será que meu batismo é válido? E minha crisma? E meu casamento?"
Trata-se de um verdadeiro labirinto mental sem saída.
Este é o mais terrível. A pessoa vive com medo constante de ir para o inferno.
Ela acorda com esse medo, dorme com esse medo, e até sonha com isso.
Ela chega a ter pesadelos em que se vê sendo condenada por Deus e pode até acreditar que Deus já desistiu dela.
Todos esses nós têm uma raiz comum: uma imagem completamente distorcida de quem é Deus.
O escrupuloso não vê Deus como Pai amoroso, mas como juiz severo. Não O vê como misericordioso, mas como vingativo. Não O vê como paciente, mas como impaciente esperando qualquer deslize para condenar.
Em outras palavras: o escrupuloso cria um "deus" na sua própria cabeça — um ídolo cruel que não tem nada a ver com o Deus verdadeiro.
Como distinguir o que é pecado grave do que não é?
A resposta do Padre Leonardo, baseada em toda a tradição católica, é simples e profunda: o critério é o amor.
A gravidade de um pecado está em quanto ele nega o amor a Deus, ao próximo ou a si mesmo. É simples assim!
Um pecado mortal é aquele que nasce do desprezo ou do ódio — e um pecado venial é aquele que nasce da fraqueza, da negligência, mas não rompe a amizade com Deus.
Vamos a alguns exemplos práticos:
Blasfêmia: Quem blasfema, diz palavrões contra Deus, a Virgem Maria ou os Santos, está manifestando um ódio a Deus. Isso é pecado mortal grave.
Mas imagine: você é um católico fervoroso, está passando pela estrada, vê um acidente de trânsito acontecendo e instintivamente diz: "Ai, meu Deus!"
Isso é pecado mortal? Eu diria que nem venial é, se você já tem esse hábito de pedir o auxílio de Deus nas dificuldades. Não houve ódio, não houve desamor — houve apenas uma reação instintiva diante de uma situação chocante.
Roubo: Roubar é sempre pecado grave? Depende do contexto.
Se um golpista rouba todo o dinheiro da conta bancária de uma pessoa, isso é obviamente pecado mortal grave — uma terrível falta de caridade e justiça.
Mas se uma pessoa vai à casa de uma amiga e, sem pedir, pega emprestado um terço de plástico velho que estava largado num canto, pensando "vou rezar o terço e depois devolvo, ela nem vai sentir falta", isso é pecado grave?
O contexto importa. Houve malícia? Houve intenção de prejudicar? Houve desprezo pela amizade e pela justiça?
Dizer que uma coisa não é pecado grave não significa dizer que não é pecado ou que estamos liberados para agir daquela forma.
Esse é o problema de achar que tudo é pecado mortal. O escrupuloso tem dificuldade em considerar que há ofensas que não levam ao inferno.
Mas entenda: um pecado venial não faz você merecer o inferno.
Mesmo o purgatório pode ser diminuído ainda nesta vida com as indulgências, com os sacrifícios oferecidos com amor, com a aceitação da cruz que Deus nos permite carregar.
Como se libertar dessa prisão mental?
- Primeiro: reconheça que você tem um problema espiritual. Enquanto você não reconhecer que sofre de escrúpulos, continuará preso.
- Segundo: busque ajuda adequada. Um bom confessor, um diretor espiritual experiente, fiel à doutrina da Igreja. Se for necessário, também um terapeuta Católico que entenda a dimensão espiritual do problema.
- Terceiro: obedeça a quem te orienta. Mesmo que sua consciência grite o contrário. Mesmo que pareça "relaxamento". O medo de ficar relaxado é, na verdade, um sinal de que você ama a Deus — e por isso deve confiar.
- Quarto: ilumine sua consciência com verdades simples. Não é com estudos profundos de teologia moral que você vai se libertar, mas com verdades claras e objetivas sobre quem é Deus e como funciona a consciência.
A santidade não é para gênios, mas para os humildes. As verdades do Catecismo que qualquer avó piedosa conhece são suficientes para iluminar sua consciência. Você não precisa entender cada lei canônica: precisa confiar em Deus.
- Quinto: dissolva os nós do medo com razão e fé. Esses nós se desfazem quando você entende que:
● Não se fica excomungado por acidente;
● Não há pecado mortal sem plena consciência e consentimento;
● Pensamentos não são pecados se não forem consentidos;
● Ninguém é condenado por distrações involuntárias;
● Deus é um Pai amoroso, e não um algoz cruel.
- Sexto: evite buscar opiniões aleatórias. Muitos escrupulosos ficam perguntando a vários padres, em grupos de WhatsApp, em canais da internet. Isso só aumenta a confusão. Escolha uma fonte confiável e seja fiel a ela.
- Sétimo: confie que a cura é possível. Não importa há quanto tempo você sofre disso. Não importa quão fundo você sente que caiu. A cura é possível! Deus quer a sua liberdade desse problema e a sua paz.
A busca pela santidade não deve virar uma prisão mental. Pelo contrário: a santidade verdadeira traz liberdade, paz e alegria.
Os santos não viviam atormentados por escrúpulos. Eles viviam na confiança filial em Deus. Sabiam que eram pequenos e fracos, mas confiavam infinitamente na misericórdia divina.
Santa Teresinha, São Francisco de Sales, São João Bosco — todos ensinaram o caminho da confiança, não da neurose perfeccionista.
A santidade é deixar Deus trabalhar em você, não você tentando fabricar sua própria perfeição.
Quando a busca pela santidade vira prisão mental, não é mais busca pela santidade — é orgulho disfarçado de virtude. É você querendo ser seu próprio salvador.
Saia dessa prisão. As portas estão abertas. Cristo já pagou o preço da sua libertação na Cruz, basta aceitar.
Pe. L. Grimes. Tratado dos Escrúpulos. Petrópolis: Editora Vozes, 1952.