
Bárbara nasceu entre os séculos III e IV em Heliópolis (no Líbano) ou Dióspolis (na Palestina). Ela era filha única de Dióscoro, um homem de autoridade, pagão zeloso, rígido na disciplina doméstica e, acima de tudo, orgulhoso de sua linhagem. Os manuscritos a descrevem como dotada de extraordinária beleza, algo que, longe de alegrar seu pai, despertava nele um temor possessivo: temia que a jovem fosse exposta aos olhares de pretendentes ou influências que julgava indignas.
Por isso, desde cedo, mandou construir uma torre, alta e sólida, para ali guardá-la quase como um tesouro secreto. Não era comum que uma filha fosse isolada desse modo, e o gesto já mostrava o temperamento violento do pai.
Confinada, Bárbara tinha acesso apenas aos mestres que Dióscoro aprovava. Contudo, a jovem possuía uma mente viva. Através das janelas altas da torre, contemplava o céu, as estrelas e o movimento do sol. Foi justamente essa contemplação do mundo criado que a levou a intuir a existência de um único Deus. Algo em seu coração recusava o politeísmo dos ídolos familiares.
O Concílio Vaticano I, mais de 1.500 anos depois, ensinou explicitamente que a razão humana, por suas próprias forças, é capaz de chegar ao conhecimento certo da existência de Deus. A formulação oficial está na Constituição Dogmática Dei Filius, capítulo II (“De revelatione”), e sobretudo no cânon 1, que diz:
A Santa Mãe Igreja mantém e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza, pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas. (Dei Filius, cap. 2).
E condena:
Se alguém disser que o Deus único e verdadeiro, nosso Criador e Senhor, não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana através das coisas criadas: seja anátema. (Dei Filius, cân. 1 sobre a Revelação).
Isso significa que razão humana, sem a graça sobrenatural e sem a Revelação, pode chegar a saber com certeza que: Deus existe, que Ele é único, que Ele é causa primeira e que é fim último de todas as coisas.
São Paulo escreveu assim aos Romanos:
Os atributos invisíveis de Deus tornam-se visíveis pela criação do mundo, sendo percebidos por meio das obras criadas. (Rm 1, 20).
O Concílio definiu isso como dogma para combater o fideísmo (que dizia que não se pode conhecer nada de Deus sem fé), o racionalismo (que negava a necessidade da Revelação), e o agnosticismo (que afirmava ser impossível conhecer Deus).
Os autores concordam que a jovem, sem jamais ter visto um cristão, já começara a caminhar rumo a Cristo apenas pela reflexão natural e pela graça interior.
O cristianismo começava a circular com mais liberdade no Oriente e um grupo de discípulos do Senhor passou discretamente pela cidade onde estava Bárbara confinada. A jovem, ao ouvir falar de Cristo, reconheceu instantaneamente aquilo que sua razão já buscava.
Os missionários, percebendo a sinceridade daquela alma, se dispuseram a ensinar-lhe os mistérios da fé. O encontro foi breve e secreto, pois Dióscoro jamais permitiria que a filha se aproximasse daquela nova religião, tantas vezes odiada pelos romanos. Bárbara pediu o batismo, e o recebeu. Foi a partir desse momento que sua vida mudou para sempre.
Dióscoro planejava ampliar a torre para melhor acomodar a filha. Ele viajava frequentemente para tratar de negócios e, numa dessas ausências, Bárbara viu ali uma oportunidade. Ela mandou que os pedreiros abrissem três janelas, e não duas, como o pai havia ordenado. Quando lhe perguntaram o motivo, ela respondeu:
Quero que esta torre receba a luz como Deus a envia: uma luz que vem do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Quando Dióscoro voltou e viu a alteração, ficou enfurecido. Exigiu explicações. Bárbara, que até então guardara silêncio sobre sua conversão, declarou abertamente:
Eu sou cristã.
Para ele, aquilo era uma afronta imperdoável. Os relatos afirmam que Dióscoro não apenas se sentiu traído: sentiu-se desonrado. Em sua mente pagã e autoritária, a fé de Bárbara significava não apenas rebeldia, mas contaminação.
Ele a espancou e jurou matá-la. A jovem conseguiu fugir para um bosque próximo, e ali uma rocha abriu-se milagrosamente para escondê-la. Mas a graça não a livrou do martírio planejado: os guardas a encontraram, e ela foi entregue ao tribunal romano.
Lehmann destaca a firmeza da jovem diante das autoridades. Bárbara não só recusou sacrificar aos falsos deuses: proclamou que Jesus Cristo é Deus.
O juiz, seguindo o costume das perseguições, ordenou a tortura: flagelos, queimaduras com tochas e violência física, tudo para fazê-la renunciar. Como muitos mártires, ela recuperava-se milagrosamente das feridas, o que apenas aumentava a ira dos algozes.
A sentença final foi a decapitação. Mas um detalhe terrível distingue Santa Bárbara de tantos mártires: o próprio pai, transbordando de ódio, pediu para ser o executor.
Assim, num alto de montanha, a jovem foi conduzida. Ela caminhava com uma paz que contrastava com a fúria do pai. Alguns relatos dizem que ela rezou pedindo que todos os que se lembrassem de seu nome em perigo mortal fossem socorridos – razão pela qual a tradição posterior a invocaria como padroeira dos que passam por medos de fogo e de tempestade.
Dióscoro ergueu a espada e decepou a cabeça da própria filha. Naquele instante, um raio caiu do céu e o fulminou, punição imediata pela crueldade inumana.
O relato do martírio de Santa Bárbara espalhou-se rapidamente pelo Oriente. Suas relíquias, veneradas desde muito cedo, foram transportadas para diversas regiões — Constantinopla, depois Veneza, e mais tarde até Kiev, segundo tradições paralelas.
Assim viveu e morreu essa jovem, cuja existência não chegou talvez aos vinte anos, mas cuja memória atravessa os continentes e os séculos, pois a memória do justo é eterna.
Pe. Alban Butler. The Lives of the Saints, Benziger Bros, 1894.
Pe. João Batista Lehmann. Na luz perpétua. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1953.
Dom Prosper Guéranger. The Liturgical Year. 15 v. Loreto Publications, 2000.