Escrúpulos
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20.10.2025

Por que pessoas muito religiosas às vezes perdem a fé

PL
Equipe do Padre Leonardo Wagner
Formação Católica

Pode parecer contraditório, mas é uma realidade que o Padre Leonardo testemunha há mais de 20 anos de sacerdócio: algumas das pessoas mais devotas, mais dedicadas à vida espiritual, acabam abandonando completamente a prática da Fé Católica. 

Não falamos aqui de pessoas que viviam no mundo e nunca levaram a sério sua relação com Deus, mas sim de Católicos fervorosos, que rezavam todos os dias, frequentavam os sacramentos e buscavam sinceramente a santidade. 

Por que isso acontece? 

A conversão que se tornou armadilha 

Algo que observamos dezenas de vezes é que uma pessoa vive anos em pecado mortal grave, numa vida desordenada e distante de Deus. De repente, essa pessoa tem um encontro profundo com Jesus Cristo — talvez em um retiro, em uma pregação, ou mesmo pela internet e sua vida muda radicalmente.

Mas então acontece algo perigoso: ao olhar para trás e ver todo aquele tempo perdido em pecado, essa pessoa é tomada por um medo terrível: 

“Meu Deus, eu estava caminhando para o inferno!”

Esse medo, embora compreensível, começa a envenenar sua vida espiritual. É como alguém que quase morreu afogado e depois nunca mais quer entrar na água — nem mesmo para tomar banho. O trauma paralisa a pessoa.

O perfeccionismo neurótico 

Essa pessoa, então, passa a viver obcecada em "compensar" todo o tempo perdido. Ela não entende que não somos nós quem nos salvamos, mas é Nosso Senhor Jesus Cristo que nos salva. 

Ela começa a tratar Deus como um chefe severo que está esperando qualquer deslize da pessoa para condená-la ao inferno. Aí, começam os escrúpulos de consciência. 

Tudo vira pecado. 

- Comeu uma sobremesa? Pecado mortal de gula que merece o inferno. 

- Irritou-se por um segundo? Ira gravíssima: não pode comungar. 

- Passou pela cabeça algum pensamento impuro? Certamente, um pecado mortal. 

Acontece assim: a pessoa passa o dia inteiro se examinando, se julgando, se condenando.

Padre Leonardo conhece pessoas que levavam 30 minutos para rezar um Angelus porque repetiam cada palavra várias vezes, achando que nunca estava "bom o suficiente" para Deus.

A confissão que nunca acaba 

— Padre, faz três anos que não me confesso. 
— Por quê? 
— Porque eu simplesmente não consigo confessar.

Essa é uma queixa comum no confessionário. A pessoa fica tão atormentada pelos escrúpulos que o exame de consciência vira uma tortura infinita. Ela escreve páginas e mais páginas de "pecados", repete confissões, quer revisar tudo desde a infância. 

Quando o padre diz "não, isso não é pecado", ela não acredita. Então, vai procurar outro padre, e outro, e mais outro…

O cansaço espiritual 

Viver assim é exaustivo. A oração, que deveria ser um encontro de amor com o Pai, vira um dever pesado. A Missa, que deveria ser fonte de graça, vira motivo de angústia: “Será que pequei de novo?” “Posso comungar?”

A confissão, que é sacramento de cura, vira uma tortura.

Sabe o que acontece? A pessoa se cansa, simplesmente cansa.

O salto para o abismo 

Então, vem a tentação final: se é impossível agradar a Deus de qualquer jeito, se eu nunca vou ser perfeito o suficiente, se estou condenado mesmo... por que continuar tentando?

A pessoa abandona tudo. Não aos poucos — mas de uma vez

Padre Leonardo já viu católicos fervorosos que, de uma hora para outra, caíram nos pecados mais graves. Alguns se tornaram protestantes; outros, espíritas; outros, simplesmente agnósticos.

Por quê? Porque tiveram uma experiência religiosa traumática e erroneamente atribuíram aquele trauma à própria Fé Católica. "Isso não serve para mim", pensam. "Vou buscar outra coisa."

O que deu errado? 

A raiz do problema está numa compreensão completamente equivocada de quem é Deus. 

O escrupuloso esquece que Deus é PAI. Ele cria na mente uma imagem distorcida de Deus: um juiz cruel, vingativo, que está constantemente procurando razão para condenar.

Esse "deus" inventado pela consciência escrupulosa não tem piedade, não tem compreensão, está sempre à espreita de uma oportunidade para mandar a alma para o inferno.

Mas esse não é o Deus verdadeiro. Esse é um ídolo criado pelo medo.

O que faltou?

Faltou entender que a santidade é uma graça, não uma conquista

Santa Teresinha do Menino Jesus descobriu isso: o caminho da infância espiritual. Ela percebeu que nunca seria santa pelos próprios méritos — e que não precisava ser. Bastava confiar no amor misericordioso de Deus como uma criança confia em seu pai.

São Paulo ensina claramente: "Pela graça fostes salvos, mediante a fé; e isso não vem de vós, é dom de Deus" (Ef 2,8).

O verdadeiro caminho 

Se você se reconheceu nesta descrição, precisa urgentemente de ajuda. Procure um bom diretor espiritual — um sacerdote experiente, fiel à doutrina da Igreja, que possa acompanhá-lo. Obedeça-o, mesmo quando sua consciência gritar o contrário.

Aprenda esta verdade fundamental: Deus não é seu patrão. Ele é seu Pai.

Um pai que te ama infinitamente mais do que você consegue imaginar. Um pai que deu seu Filho único para morrer por você. Um pai que te espera sempre de braços abertos, não importa quantas vezes você caia. 

Pessoas muito religiosas abandonam a fé quando trocam o amor a Deus pelo medo de Deus; quando substituem a confiança filial pela obsessão perfeccionista; quando constroem uma Torre de Babel espiritual achando que vão alcançar o céu pela própria força.

Não caia nessa armadilha. As portas do Céu não se abrem com suas obras — elas já foram abertas pela Cruz de Cristo. 

Basta entrarmos com humildade, confiança e amor.

Referências:

Pe. L. Grimes. Tratado dos Escrúpulos. Petrópolis: Editora Vozes, 1952.

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