
Pode parecer exagero, mas não é.
Padre Leonardo já atendeu pessoas que levavam meia hora para rezar uma simples Ave-Maria.
Não demoravam porque estavam meditando profundamente nos mistérios da Encarnação, nem porque estavam em êxtase místico, mas porque repetiam cada palavra dezenas de vezes, achando que nunca estavam rezando direito.
Este é um dos sintomas mais visíveis — e mais dolorosos — dos escrúpulos de consciência.
Imagine a cena: a pessoa começa a rezar.
Ave Maria, cheia de graça…
Porém, no meio da frase, vem uma distração. Ela pensou no almoço por um segundo.
Meu Deus! Eu me distraí! Estou ofendendo a Nossa Senhora! Preciso recomeçar!
Ave Maria, cheia de graça…
Mas aí vem um pensamento ruim. Involuntário, mas vem.
Nossa, que horror! Como posso rezar com esses pensamentos? Preciso começar de novo.
Ave Maria...
Agora, ela não tem certeza se pronunciou com devoção angélica a palavra "Maria". Melhor repetir, não é mesmo?
Ave…
E assim ela segue. Repetindo. Recomeçando. Nunca satisfeita. Nunca em paz.
Há vários motivos pelos quais um escrupuloso não consegue rezar normalmente:
1. Medo de ofender a Deus com a oração “malfeita"
O escrupuloso acha que precisa rezar com perfeição absoluta. Cada palavra precisa ser pronunciada perfeitamente. Zero distrações. Concentração total.
Qualquer desvio disso é, na cabeça dele, uma ofensa grave a Deus.
Contudo, isso é humanamente impossível!
Nossa mente naturalmente divaga. Pensamentos intrusos vêm sem que a gente queira. Isso é normal, não é pecado.
2. Pensamentos intrusivos
Durante a oração, é comum surgirem pensamentos ruins — às vezes, até blasfemos ou impuros.
Para uma pessoa com consciência sadia, isso não é problema. Ela simplesmente desvia o pensamento e continua rezando.
Mas o escrupuloso entra em pânico:
"Como posso ter pensado isso? Estou pecando gravemente! Minha oração não vale nada!"
Então, ele começa tudo de novo.
3. A busca pelo "sentimento certo"
Alguns escrupulosos acham que precisam sentir devoção ao rezar. Se rezam mecanicamente, sem sentir nada especial, acham que a oração não valeu.
Então ficam tentando "forçar" o sentimento. Repetindo até "sentir" algo.
Mas Deus não julga a oração pelo sentimento. Ele vê a intenção do coração. Mesmo uma oração seca, árida, sem consolações, pode ser muito valiosa.
4. O perfeccionismo obsessivo
No fundo, todas essas dificuldades têm a mesma raiz: o perfeccionismo neurótico.
O escrupuloso acha que Deus só aceita orações perfeitas. Que qualquer imperfeição anula tudo.
Mas Deus não é assim. Ele é Pai. Ele se alegra com nossas orações simples, mesmo imperfeitas, porque vê o amor por trás delas.
Se rezar uma Ave-Maria já é difícil, imagine rezar um terço inteiro!
Padre Leonardo já conheceu pessoas que levavam horas para completar um terço. Não por devoção, mas por tortura.
A pessoa está no terceiro mistério. Aí se distrai.
"Meu Deus, não estava prestando atenção! Preciso voltar pro primeiro mistério."
Começa tudo de novo. Chega no quarto. Vem um pensamento ruim.
"Pequei! Vou recomeçar."
E assim indefinidamente. Às vezes, nunca termina o terço. Simplesmente desiste, exausta e frustrada.
O mais triste de tudo isso é a ironia:
A pessoa que mais quer rezar bem, que mais se esforça para agradar a Deus, que tem mais fervor... é justamente a que menos consegue rezar.
Os escrúpulos transformam a oração — que deveria ser conversa amorosa com Deus — em um campo minado de angústias.
A doutrina católica sobre a oração é clara e libertadora:
Deus não exige perfeição técnica na oração. Ele quer sinceridade, humildade, confiança.
Distrações involuntárias não são pecado. São parte da condição humana. Basta voltar suavemente à oração.
Pensamentos intrusivos não são consentimento. Se você não quer o pensamento, se luta contra ele, não há pecado nenhum.
A oração não precisa de "sentimento". Pode ser seca, árida, mecânica — e ainda assim valiosa.
Quantidade não é mais importante que qualidade. Melhor rezar um terço com paz do que ficar horas repetindo em agonia.
Santa Teresinha do Menino Jesus, que é Doutora da Igreja justamente pela sua espiritualidade profunda, tinha distrações na oração.
Ela conta que às vezes pegava no sono durante a oração. E não se atormentava por isso! Dizia que Deus ama os filhos quando dormem tanto quanto quando estão acordados.
São Francisco de Sales, mestre da vida espiritual, ensinava: quando você se distrair na oração, simplesmente volte a rezar. Não se perturbe. Não recomece tudo. Apenas continue de onde estava.
Santo Inácio de Loyola, que sofreu de escrúpulos no início de sua conversão, aprendeu a não repetir confissões nem orações. Aceitou suas imperfeições com humildade.
Se você se reconhece nessa descrição, aqui está o caminho de libertação:
1. Aceite que você é humano
Você vai se distrair. Vão vir pensamentos ruins. Você não vai sentir devoção o tempo todo. E está tudo bem.
Deus sabe disso. Ele te criou assim. Ele não está ofendido com suas imperfeições involuntárias.
2. Nunca repita orações por escrúpulo
Esta é uma regra de ouro da vida espiritual: jamais repita uma oração porque acha que não rezou bem.
Rezou uma Ave-Maria com distrações? Segue em frente. Rezou o Pai Nosso e veio um pensamento
ruim? Segue em frente. Está no meio do terço e não sente nada? Segue em frente. Repetir só alimenta os escrúpulos.
3. Estabeleça um tempo limite
Se você tende a ficar horas repetindo, estabeleça um limite. "Vou rezar o terço em no máximo 30 minutos." Acabou o tempo, acabou. Não importa se "não ficou perfeito".
4. Reze com simplicidade
Não tente fazer orações elaboradas e longas. Comece simples.
Três Ave-Marias de manhã. Um Pai Nosso à noite. Reze do jeito que conseguir, com as distrações que vierem.
Deus valoriza mais sua humildade do que sua performance técnica.
5. Obedeça ao diretor espiritual
Se você tem um confessor ou diretor espiritual, obedeça ao que ele disser sobre sua vida de oração. Se ele disser "não repita", não repita — mesmo que sua consciência grite o contrário.
A obediência é o antídoto para os escrúpulos.
Sabe qual oração agrada mais a Deus?
Não é a tecnicamente perfeita, sem nenhuma distração, pronunciada com dicção impecável.
É a oração humilde.
A oração de quem sabe que é pequeno, fraco, imperfeito — mas confia no amor de Deus. A oração de quem diz, como o publicano: "Meu Deus, tem piedade de mim, pecador."
A oração simples de uma criança que fala com o Pai, sem medo de errar, porque sabe que é amada.
Jesus mesmo ensinou: "Se não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus" (Mt 18,3).
Criança reza torto. Criança se distrai. Criança às vezes nem termina a oração. Mas o Pai se encanta, porque vê o amor.
Quando você para de tentar impressionar Deus com orações "perfeitas" e começa a rezar como filho que conversa com o Pai, tudo muda.
A oração deixa de ser tortura e volta a ser o que deveria ser: encontro de amor.
Talvez você nunca chegue a rezar "perfeitamente" nesta vida. E sabe de uma coisa? Não precisa.
Deus não está esperando sua perfeição. Ele está esperando sua confiança.
Católicos que demoram 30 minutos para rezar uma Ave-Maria não estão sendo mais devotos. Estão sendo mais atormentados.
E Deus não quer seus filhos atormentados. Ele quer seus filhos em paz.
Reze com simplicidade e confiança. Reze com as distrações e imperfeições que vierem. E deixe que Deus cuide do resto.
Pe. L. Grimes. Tratado dos Escrúpulos. Petrópolis: Editora Vozes, 1952.