Artigo
5
minutos de leitura

O Papa que excomungou um exército inteiro: São Gregório VII

História da Igreja
|
23/5/2025
Equipe do Padre Leonardo Wagner

Hildebrando nasceu por volta de 1015 em Sovana, na Toscana, filho de um carpinteiro ou talvez de um oficial modesto. 

Muito cedo foi enviado ao mosteiro de Cluny, onde absorveu a disciplina, o espírito de penitência e o zelo reformador que definiriam toda sua missão futura. 

De Cluny, foi chamado a Roma pelo Papa Gregório VI, acompanhando-o inclusive ao exílio após a deposição injusta deste papa em 1046. 

Retornando, serviu a cinco pontífices como conselheiro e legado, sendo finalmente eleito Papa em 1073 com aclamação popular e clerical, tomando o nome de Gregório VII.

Guerra à simonia

O pontificado de Gregório VII não foi simplesmente administrativo ou jurídico — foi uma cruzada pela santidade. Sua meta era libertar a Igreja das amarras mundanas e devolver-lhe a pureza evangélica. 

Suas medidas contra a simonia e a imoralidade clerical despertaram ódio e veneração em igual medida. Desde o Sínodo de Roma de 1074, decretou que nenhum clérigo simoníaco poderia manter suas ordens e que os leigos deviam afastar-se das Missas por eles celebradas.

Estes decretos foram recebidos com tumulto em diversas regiões — especialmente na Germânia e na Lombardia — onde bispos influentes, em conluio com nobres, resistiam ferozmente à reforma.

Guerra às investiduras

O conflito entre São Gregório VII e Henrique IV, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, foi o centro dramático da chamada "questão das investiduras". 

A querela girava em torno do direito de nomear bispos e investir-lhes com os símbolos espirituais: o báculo e o anel. Gregório VII, reafirmando a primazia do poder espiritual sobre o temporal, decretou no sínodo de 1075 que apenas o Papa poderia nomear bispos, proibindo terminantemente que leigos investissem clérigos em ofícios eclesiásticos.

A reação de Henrique IV foi fulminante. Em 1076, ele convocou o sínodo de Worms, que declarou Gregório deposto. Em resposta, o Papa excomungou Henrique, desautorizando sua autoridade temporal e dissolvendo os vínculos de fidelidade de seus súditos. Esta excomunhão não era um gesto político, mas um ato solene do Pastor Supremo, que protegia o rebanho contra um lobo disfarçado de rei.

No inverno de 1077, o mundo viu um imperador atravessar os Alpes, vestindo trapos de penitente, e esperar três dias descalço na neve diante do castelo de Canossa, onde Gregório estava hospedado com a condessa Matilde. O Papa o absolveu — mas com reservas: o perdão era condicional à futura obediência, que logo foi violada.

Henrique rapidamente retornou à sua política de confrontação, nomeando o antipapa Guiberto de Ravena como Clemente III. Em 1080, Gregório renovou a excomunhão e declarou Henrique deposto novamente no sétimo concílio de seu pontificado.

A excomunhão de um exército inteiro

Em um episódio de profunda marca na história, Gregório VII pronunciou excomunhão coletiva contra os soldados de Henrique IV que participaram das profanações em Roma e da perseguição à Santa Sé. 

O gesto foi inédito: não visava a condenação individualizada, mas demonstrar que a impiedade armada contra a Igreja de Cristo é uma rebelião contra o próprio Senhor.

O efeito não foi apenas disciplinar, mas místico. Crônicas da época relatam visões de santos e monges, nas quais as almas desses soldados apareciam glorificadas no Céu, afirmando que, por terem sofrido sob a justa sentença da Igreja, haviam alcançado misericórdia divina: “Por ti, ó Pedro, alcançamos a glória”.

Além de Cluny

Apesar de sua formação em Cluny, Gregório não foi um mero eco da abadia. Ele superou os monges de sua juventude em audácia e em zelo disciplinador. 

Enquanto Cluny promovia reformas por influência moral e litúrgica, Gregório ia além: combatia diretamente os poderes seculares que impediam a liberdade da Igreja. 

Em várias ocasiões, resistiu até mesmo à interferência cluniacense quando esta ameaçava a autoridade pontifícia.

Exílio e morte

Em 1084, Henrique IV, após sitiar Roma, conseguiu tomar a cidade por traição interna. 

Gregório refugiou-se no Castel Sant’Angelo, e foi salvo pela chegada do normando Roberto Guiscardo. Contudo, o resgate foi seguido por saques que revoltaram o povo romano. 

Ciente da sua impopularidade entre os próprios defensores da Igreja, Gregório partiu com Guiscardo para Salerno, onde morreu em 25 de maio de 1085, pronunciando suas últimas palavras: “Amei a justiça e odiei a iniquidade; por isso, morro no exílio”.

Gregório VII foi beatificado em 1584 pelo Papa Gregório XIII e canonizado em 24 de maio de 172 pelo Papa Bento XIII, tendo sua festa litúrgica sido assinalada para o dia 25 de maio.

Roguemos para que nosso Papa Leão XIV se inspire nas virtudes de São Gregório VII!

Referências:
  1. Reuben Parsons, Studies in Church History, vol. I, cap. IX – Formação de Hildebrando e sua aclamação ao papado.

  2. Ibid., cap. X – Conciliações eclesiásticas e medidas contra o nicolaísmo e a simonia.

  3. Ibid., cap. XI – Excomunhão de Henrique IV e seus aliados.

  4. Ibid., cap. XII – Excomunhão de tropas imperiais e narrativas místicas de sua sorte.

  5. Ibid., cap. XIII – Relação com Cluny e autonomia doutrinal.

  6. Ibid., cap. XIV – Queda de Roma, auxílio normando e morte em Salerno.

Mais artigos

Padre Leonardo Wagner © 2024. Todos os direitos reservados.