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A raiva e suas filhas

Doutrina
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9/7/2025
Equipe do Padre Leonardo

A ira é uma paixão complexa, porque com ela, alguém sofre uma certa tristeza por alguma injúria que recebeu, mas também existe um desejo de vindicação

A ira faz a alma entrar em conflito, porque há ao mesmo tempo uma dor interior e uma inclinação ativa, um desejo de vindicação.

A ira não é apenas uma paixão ou emoção, mas é também um vício quando está fora da justa medida:

  • Quando se está demasiadamente irado, isto é, a reação é desproporcional à ofensa.
  • Quando não se ira suficientemente, ou seja, quando não há reação diante de coisas que mereceriam justa indignação — o que denota insensibilidade.

A ira moderada pela reta razão é uma virtude. Essa forma reta é chamada por Santo Tomás de “ira consequente” — quando se reconhece uma verdadeira injustiça, e a reação é proporcional: nem mais, nem menos do que o necessário.

As espécies de ira

1. Quanto à Origem:

Santo Tomás fala dos coléricos, pessoas que se irritam com demasiada rapidez ou por motivos triviais. Portanto, há um certo vício que se chama cólera.

2. Quanto à Duração:

A ira pode durar excessivamente, e isso se manifesta de duas formas:

  • Quando a lembrança da injúria persiste demasiadamente na memória, causando amargura ou melancolia — o que chamamos de ressentimento ou ruminação (o que Santo Tomás chama de “tristeza duradoura”).
  • Quando há um desejo teimoso de vingança, sem descanso até conseguir punição ao agressor. Isso é chamado de irritabilidade obstinada ou mau-humor permanente.

Os três graus da ira

  1. Interior – quando a ira é apenas concebida no coração: vemos algo que nos causa dano e sentimentos interiormente a ira.
  2. Exterior – quando se temos a ira interior, mas ela não permanece apenas ali, senão chega a se manifestar por gestos ou palavras.
  3. Consumada – quando se realiza o desejo de vingança por meio de uma ação que causa dano real ao outro.


As filhas da ira

Sendo a ira um vício capital, dela derivam outros vícios, chamados suas “filhas”:

  1. Indignação – a pessoa se considera sempre mais digna do que os outros e vive em constante revolta contra os que a cercam (indignus, em latim: os outros não são dignos dela).
  2. Tumor mentis – um "inchaço da mente", quando a pessoa se ocupa em imaginar maneiras de se vingar. Trata-se de uma mente inflamada pela ira.
  3. Clamor – discurso desordenado, gritaria, confusão verbal motivada pela raiva.
  4. Blasfêmia – quando a ira leva a palavras injuriosas contra Deus.
  5. Contumélia – quando se ofende o próximo em sua presença, com calúnias ou verdades ditas com malícia.
  6. Detração — dizer verdades, revelando vícios da pessoa para diminuir seu bom nome.
  7. Mentira – dizer o falso com intenção de enganar, para prejudicar o próximo.
  8. Litigiosidade – disposição para disputas e discussões constantes, com espírito argumentativo, querendo sempre ter a última palavra.
  9. Irreverência – quando a raiva invade até as coisas sagradas, levando ao desprezo ou ofensa às coisas de Deus.
  10. Impiedade – palavras ou atitudes contra os pais ou superiores, em contextos de ira (como filhos respondendo aos pais com desrespeito).
  11. Ódio – quando não se consegue a vingança, a ira reprimida transforma-se em ódio. O ressentimento prolongado envenena a alma.


Como vencer a ira?

Os principais meios de vencer esse vício são:

1. Devoção ao Sagrado Coração de Jesus

Nosso Senhor disse: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”. Se pedirmos sinceramente que Ele torne nosso coração semelhante ao d’Ele, alcançaremos, pela graça, a mansidão — que é a virtude oposta à ira.

2. Humildade

A humildade nos faz reconhecer nossa miséria e nosso lugar. Quando somos humilhados ou ofendidos, somos menos propensos a nos ofender se reconhecermos que merecemos toda humilhação que Deus permitir em nossa vida.

3. Espírito de mortificação

Um coração mortificado aceita com paciência as injúrias que outras pessoas nos fazem sofrer. Isso exige sacrifício interior, mas é o caminho para a verdadeira caridade. Suportar as ofensas pacientemente é, inclusive, uma das obras espirituais de misericórdia.

Conclusão

Ensinou o Apóstolo: 

”Se vos irardes, não pequeis.” (Ef 4, 26).

Pratiquemos a devoção ao Sagrado Coração, cultivemos a virtude da mansidão, cresçamos na humildade e abracemos o espírito de mortificação.

Assim, encontraremos a paz interior, e a ira, com o tempo, desaparecerá.

Referências:

Santo Tomás de Aquino. Summa Theologiæ. New York: Benziger Brothers, 1947.

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