Estamos no mês do Preciosíssimo Sangue e, no calendário tradicional, esta festa é celebrada no dia primeiro de julho.
No entanto, antes de São Pio X fixá-la nessa data, era celebrada no primeiro Domingo de julho. No ano de 1902, essa festa caiu no dia 6 de julho, data em que Santa Maria Goretti morreu no hospital de Neptuno, perto de Roma, depois de ter sido apunhalada no dia anterior.
Ela recebeu 14 golpes por não querer pecar com Alessandro Serenelli, que tinha 19 anos. Ela tinha apenas 11.
Alessandro não temia a Deus, pois não fazia esforço algum para vencer os desejos da carne, alimentados por imagens impuras e conversas desordenadas.
Ele não havia subido nem o primeiro degrau da escada de Jacó. Era arrogante e, em vez de anjos, tinha demônios como ajudantes.
Maria Goretti, ao contrário, era humilde e temia a Deus, apesar de muito mais jovem; estava em um degrau muito mais alto na escada de Jacó.
Havia recebido a Santíssima Eucaristia pela primeira vez no dia 29 de maio daquele mesmo ano de 1902, e a receberia novamente no dia de sua morte, 6 de julho, tomando o Santo Viático das mãos de Monsenhor Temístocles Signori, além de receber a Extrema-Unção em seu leito de morte.
Mais de uma vez, Maria Goretti manifestou ao padre que perdoava Alessandro:
“Eu quero que ele vá comigo para o Céu, ao meu lado. Que Deus o perdoe, porque eu já o perdoei.”
Apesar de ter passado alguns anos na prisão, as visitas de padres, bispos e uma visão da pequena Maria Goretti no topo da escada do Céu pedindo a Alessandro que temesse a Deus fizeram com que o pecador se arrependesse e começasse a subir a escada de Jacó.
Ele gastou muitos anos crescendo em humildade e revelou que sua mãe não era muito presente, e que seu pai era negligente, pois sofria de malária e trabalhava nos pântanos horas a fio.
Assim que aprendeu a ler, Alessandro foi exposto a revistas anticlericais e ateístas da Itália revolucionária. Lia relatos de assassinatos, como o de uma garota apunhalada por um amante em 1830.
O Evangelho do V Domingo depois de Pentecostes nos recorda que o pecado começa no coração; não foi diferente com Alessandro. A mídia ocupou o lugar da educação que seus pais negligenciaram, e ele encheu seu coração de ideias revolucionárias e odiosas. Lutemos contra os maus pensamentos antes que os coloquemos em prática.
Depois de tentar fazer Maria ceder aos seus desejos mais de uma vez, Alessandro ameaçou, e por fim a atacou com 14 golpes com uma espécie de um facão; um instrumento de jardinagem de 30 cm.
Quatro desses ferimentos foram fatais, pois atingiram a garganta e o coração, além dos intestinos e dos pulmões. Foi um milagre ela ter sobrevivido mais um dia.
Alessandro nem sequer fugiu: apenas esperou deitado em seu quarto que os carabineiros chegassem para o prender. Entregou-se e confessou todo o crime.
Não se defendeu, mas defendeu apenas a pureza de Maria:
“Ela nunca deu causa ao meu desejo, nem me deu expectativas de nenhuma forma. Era apenas uma pequena garota, boa e pura.”
O resultado foi a pena máxima: 3 anos na solitária e 27 anos de trabalho forçado. No tribunal, a última palavra foi de Assunta, mãe de Maria:
“Eu perdoo o Alessandro!”
Depois de um grande silêncio, muitos protestaram, dizendo que jamais o perdoariam. Ela logo respondeu:
“Então, suponha que Jesus volte e não nos perdoe!”
Os três primeiros anos foram os mais difíceis. Alessandro fazia caixas de fósforo, ganhando vinte centavos por cada mil, e sobreviveu a essa parte da pena. Soube que três outros presos na mesma condição se suicidaram e seis ficaram loucos; dos dez, apenas ele sobreviveu ileso, embora com o coração ainda endurecido.
Depois de seis anos, Santa Maria Goretti lhe apareceu do Céu, mostrando-lhe 14 lírios pelas 14 feridas que recebeu. Agora, o assassino era quem queria fugir da vítima. Vestida de branco, ofereceu-lhe os lírios, dizendo:
“Alessandro, como prometi, sua alma um dia me alcançará no Céu.”
Alessandro se encheu de alegria e desejo de segui-la em uma santa amizade até o Céu. Depois disso, Alessandro se transformou. Ele passou a mostrar mais interesse para com seus colegas e melhorou o desempenho em seus trabalhos.
Deixou de ser um solitário para ser um amigo alegre e cooperante.
Depois de um tempo, quando o bispo foi visitá-lo, ele disse: "Eu quero me lançar na misericórdia de Deus. Quero implorar o perdão à família dela, que eu destruí. Quero ir de joelhos até Assunta Goretti e seus filhos, pelo que fiz.”
Ele, então, se entregou à submissão na confissão; à assistência na Missa, à Santa Comunhão e à oração. Ele rezava especialmente um Pai Nosso, uma Ave Maria e um Réquiem pela alma de Maria. Depois daquela visão, passou a substituir o Réquiem pelo Glória.
Alessandro transformou sua conduta, passou a se relacionar melhor com os outros, tornou-se um prisioneiro exemplar e passou a ler bons livros. Seu livro preferido era Crime e Castigo, de Dostoiévski.
Em 1929, foi colocado em liberdade três anos antes do fim da pena, ele dizia que também isso veio de Marietta.
O maior desafio passou a ser viver em sociedade: era sempre o primeiro a chegar ao campo de trabalho e o último a sair, sem reclamar. Porém, sempre que seus empregadores descobriam seu passado, acabava sendo dispensado.
Estranhamente, muitas mulheres tentaram seduzi-lo, mas, como outro José, ele fugia para o deserto. Ele passou a dizer não para as ocasiões que sempre dizia sim antigamente. Deus lhe deu a graça de ir reparando, assim, seus pecados.
Finalmente, encontrou abrigo num convento capuchinho como irmão leigo jardineiro.
Alessandro decidiu reencontrar a mãe de Maria, e lhe disse: “A senhora se lembra de mim, sabe quem eu sou?” Ela respondeu: “Sim, meu filho, é claro que me lembro.”
Ele logo se jogou a seus pés, dizendo: “Querida Assunta, me perdoe, me perdoe! O que eu fui fazer com Marietta e com a senhora…!”
Assunta colocou a mão em seu rosto e disse:
“Meu filho, Marietta te perdoou, Cristo te perdoou; eu também te perdoo, é claro, meu filho!”
Era tempo de Natal. Assunta o tomou pela mão, com uma mãe conduz seu filho, e o levou à Santa Missa; os dois se ajoelharam lado a lado, mãe e assassino, para receberem juntos a Sagrada Comunhão, reconciliados entre si e com Deus.
À noite, Alessandro sempre rezava o terço diante de um quadro de Santa Maria Goretti, iluminado por velas bentas, dizendo:
“Marietta, espero o cumprimento de tua promessa, que um dia estarei ao teu lado no Céu.”
Isso se realizou em 1970, quando morreu aos 87 anos, no mesmo convento capuchinho.
De certa forma, essa história nos faz contemplar o contraste de dois pais: um que negligenciou a educação do filho, outro que permaneceu presente até depois da morte. Quando Alessandro se aproximou de Maria pela primeira vez, ela dizia ao seu pai recém-falecido:
“Papai, me olhando do Céu, proteja Alessandro do pecado!”
Em seu leito de morte, Maria não só dizia os nomes de Jesus e de Maria, mas também chamava pelo pai. Suportou uma cirurgia de duas horas sem anestesia.
Naquele quarto humilde e sufocante do verão italiano, ela implorava por água, mas foi proibida de beber, permanecendo com sede durante sua agonia, imitando seu Senhor na Cruz. Por fim, rezou o Pai-Nosso e chegou ao “livrai-nos do mal”. O “amém”, completou no Céu.
Em 27 de abril de 1947, o Papa Pio XII a proclamou beata e, no Ano Santo de 1950, no dia 24 de junho, procedeu à sua canonização na Praça de São Pedro, pois a basílica não comportava a multidão. Pela primeira vez na história, uma canonização aconteceu ao ar livre, diante de milhares de fiéis.
Que Alessandro Serenelli, Luigi Goretti, Assunta Goretti e Santa Maria Goretti intercedam por nós, para que um dia possamos também fazer companhia a eles na glória eterna da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.
Tomás Pujadas, CMF. Yo maté a María Goretti. Republica Dominicana: Graficas Buenavista, 1994.