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O hino a São João Batista que deu nome às notas musicais

História da Igreja
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24/6/2025

Guido d'Arezzo foi um monge beneditino italiano do século XI, conhecido por suas contribuições à teoria musical ocidental, especialmente na área da notação musical e do ensino do canto. 

Seu trabalho transformou a maneira como a música é aprendida e transmitida, e sua influência é sentida até hoje, especialmente no sistema de solfejo que ele ajudou a criar.

Contexto histórico

Durante os séculos anteriores ao nascimento de Guido d'Arezzo (991–1050), a música ocidental era transmitida principalmente por tradição oral. 

Os neumas, sinais rudimentares usados para indicar o contorno melódico dos cantos litúrgicos, ofereciam apenas uma noção aproximada da altura e do ritmo das notas. Isso tornava o aprendizado dependente da memória auditiva. Se você nunca ouviu uma música, não saberia cantá-la.

Guido nasceu em Arezzo, na Toscana, e se tornou monge beneditino. Por volta de 1025, ele foi chamado ao mosteiro de Pomposa, próximo a Ravena, onde começou a aplicar seus métodos didáticos. Posteriormente, devido à resistência de outros monges a suas inovações, foi convidado pelo bispo Teobaldo a ensinar na catedral de Arezzo.

O sistema de notação musical

Guido é creditado como o criador da notação pautada, ou tetragrama (quatro linhas), precursor do pentagrama moderno. Antes de Guido, os cantos eram notados sem linhas de referência fixa, o que dificultava a precisão e impedia uma leitura sem prévia audição da peça.

Ao introduzir linhas horizontais para representar alturas fixas e usar letras para indicar as notas (como F e C), Guido facilitou a leitura e o ensino da música.

Seu sistema permitia que os cantores reconhecessem a altura das notas mesmo sem tê-las ouvido anteriormente — um avanço sem precedentes!

O nome das notas musicais

De onde veio a ideia de nomear as notas "Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si"?

A inovação mais conhecida de Guido d’Arezzo foi o uso do hino "Ut queant laxis", usado no ofício de Vésperas da festa da Natividade de São João Batista, como base para o ensino das notas musicais. O hino, atribuído ao monge Paulus Diaconus, era dividido em estrofes, e cada linha melódica começava em um grau ascendente da escala:

Ut queant laxis
Re-sonare fibris
Mi-ra gestorum
Fa-muli tuorum
Sol-ve polluti
La-bii reatum
Sancte Ioannes

Para que os servos possam, com suas vozes soltas, ressoar as maravilhas de vossos atos, limpa a culpa do lábio manchado, ó São João!

Cada sílaba destacada deu origem ao sistema de solmização: Ut, Re, Mi, Fa, Sol, La. Cada nota representava um tom da escala hexacordal.

Posteriormente, no século XVII, o "Ut" foi substituído por "", por terminar em uma vogal e ser mais fácil de cantar, e o "Si" foi acrescido posteriormente a partir das iniciais de "Sancte Ioannes".

Esse sistema permitiu a solmização (solfejo), ou seja, cantar os graus da escala usando sílabas fixas. Guido também desenvolveu a mão guidoniana, uma técnica mnemônica visual em que os graus da escala eram associados a diferentes partes da mão para facilitar o ensino dos cantos.

As contribuições de Guido d’Arezzo estabeleceram os fundamentos do ensino musical no Ocidente. Seu tratado mais famoso, o Micrologus, tornou-se um dos textos musicais mais amplamente utilizados da Idade Média. Ele também é reconhecido como um precursor da teoria tonal e da pedagogia musical moderna.

A invenção do solfejo e da notação musical pautada por Guido possibilitou o florescimento da música polifônica e do canto litúrgico estruturado, além de permitir que as composições musicais fossem preservadas com precisão através dos séculos.

Referências:

GROUT, Donald Jay; PALISCA, Claude V. História da música ocidental. 6. ed. São Paulo: LTC, 2001.

HOPKINSON, Cecil. The musical hand of Guido of Arezzo. Journal of the American Musicological Society, v. 12, n. 1, p. 3-11, 1959.

GUIRAUD, Michel. A música e o ensino na Idade Média: a revolução de Guido d’Arezzo. Revista de História da Educação, Porto Alegre, v. 7, n. 13, p. 45-60, jan./jun. 2003.

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