“Aquele, portanto, que se humilhar como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus.” (Mt 18,4).
Há um local de peregrinação muito especial no norte da França. É um lugar onde São Miguel Arcanjo é grandemente honrado, chamado Mont Saint-Michel.
O Mont Saint-Michel abriga uma abadia, bem como um pequeno número de residências e mercados.
Assim como o santuário de São Miguel no Monte Gargano permite que o povo da Itália e das regiões do sul da Europa honre esse grande Arcanjo, assim também Mont Saint-Michel permite que o povo das regiões do norte do continente europeu honre o Príncipe da Milícia Celeste.
Esse grande monumento em honra a São Miguel surgiu por causa de uma aparição do Arcanjo a um bispo local: Santo Autbert.
Certa noite, conta-se, o santo bispo teve um sonho. São Miguel Arcanjo apareceu a ele, ordenando que construísse uma igreja em sua honra naquela ilha de sua diocese. O santo bispo ficou bastante surpreso e estava incerto quanto à aparição. Com o tempo, decidiu ignorar e rejeitar a aparição, pensando tratar-se de um engano do demônio.
Alguns dias depois, o Arcanjo apareceu novamente ao bispo. Com rosto severo e flamejante, reafirmou que era sua vontade que a igreja fosse construída naquela ilha e que o bispo deveria obedecer sem demora. Mas, apesar dessa segunda visita, o bispo ainda duvidava e decidiu não obedecer.
Assim, pela terceira vez, São Miguel apareceu em sonho ao bispo e o repreendeu por sua incredulidade. Então, São Miguel tocou sua cabeça com o dedo. Ao despertar, o bispo encontrou literalmente um buraco em sua cabeça, no local em que São Miguel o havia tocado.
A partir disso, o bispo não teve mais dúvidas. Reuniu seus padres e relatou o que havia acontecido. Suas palavras, narrando o sonho e o pedido a construção da igreja naquela ilha em honra de São Miguel, foram recebidas com grande alegria.
Logo, o bispo reuniu um grande grupo de sacerdotes, religiosos e fiéis, que dirigiram-se em procissão até a ilha durante a maré baixa, marchando em oração, com velas acesas e cantando hinos e salmos.
Chegando ao topo do monte, encontraram o lugar exato onde São Miguel desejava que a igreja fosse erguida. Operários foram contratados e o projeto de construção supervisionado pelo bispo em cada detalhe.
Mas, à medida que a obra se aproximava da conclusão, o bispo ficou envergonhado: não havia uma relíquia do santo patrono para colocar na igreja, como exige o ritual.
Felizmente, São Miguel apareceu-lhe novamente, instruindo-o a enviar dois monges ao Monte Gargano, no sul da Itália — o único santuário na Europa consagrado por São Miguel. Ali, obteriam as relíquias desejadas.
Como se sabe, São Miguel havia aparecido no Monte Gargano, na Itália, no ano 493, deixando como prova de sua presença um véu púrpura e a marca de seus pés angélicos em uma pedra. Um fragmento desse véu e uma parte da pedra foram entregues aos dois monges, que as levaram ao bispo.
São Miguel teria agora dois santuários maravilhosos em sua honra.
A igreja da abadia em Mont Saint-Michel foi consagrada pelo bispo com a celebração de um solene pontifical, em honra do Príncipe da Milícia Celeste. Após a Missa, o bispo declarou instituídos doze cônegos para a igreja, que cantariam o Ofício Divino diariamente.
O bispo empregou toda a herança de sua família para sustentar aquela obra de oração para os séculos futuros. Assim, a veneração de São Miguel Arcanjo começou naquela ilha e continua até hoje.
Quando o santo bispo morreu, no ano 720, seu corpo foi sepultado sob a igreja abacial de Mont Saint-Michel. Seus restos foram honrados durante séculos, até serem perdidos na Revolução Francesa, quando a igreja foi saqueada pelos revolucionários. No entanto, o crânio do bispo foi preservado e ainda é venerado na catedral local. Ainda se distingue no crânio um pequeno orifício, exatamente onde São Miguel havia tocado seu dedo.
Este lugar possui também uma estátua maravilhosa de São Miguel, no alto da torre da igreja abacial.
Instalada em 1897, a estátua é de bronze e revestida da mais pura folha de ouro. Pesa mais de 600 quilos e mede 4,5 metros de altura. As asas do grande Arcanjo funcionam como para-raios da igreja.
A estátua representa São Miguel derrotando a antiga serpente com uma espada. Que grande honra é dada ao Príncipe da Milícia Celeste!
São Miguel se humilhou diante do Senhor, e como resultado foi exaltado grandemente, no céu e na terra.
Lúcifer, por outro lado, orgulhosamente se exaltou e, como consequência, foi profundamente humilhado — eternamente rebaixado nos abismos do inferno, nas profundezas da terra.
Lúcifer foi a criatura mais perfeita saída das mãos de Deus, excetuando-se a Sagrada Humanidade do Cristo e da Imaculada Virgem Maria. O Senhor era a própria Luz, e Lúcifer, seria o portador dessa Luz.
Desde toda a eternidade, o Altíssimo havia determinado que todos os seres criados — anjos e homens — fossem chamados a participar das maravilhas do Céu e da felicidade sobrenatural. Mas tal elevação, para além do fim natural das criaturas, exigiria uma prova: um teste.
O teste para Lúcifer, para Miguel e para todos os anjos foi a humilde submissão ao plano de Deus — sobretudo ao mistério da Encarnação: Deus feito carne no seio de Maria Santíssima. Todos deveriam adorar e honrar a Sagrada Humanidade do Filho de Deus e venerar e submeter-se à Mãe que lhe daria carne.
Mas, como Narciso, fascinado por sua própria beleza e encantado por sua própria excelência, Lúcifer caiu no orgulho. A simples ideia de ter de se humilhar, especialmente diante da Virgem, enfureceu-o. Sentiu-se insultado.
Lúcifer pensou que, se Deus fosse unir-se a qualquer de suas criaturas, nenhuma mereceria essa honra mais do que ele próprio. Assim, o amor-próprio desordenado e o orgulho insensato dominaram-no, e ele perdeu toda a sabedoria.
A Escritura diz que ele caiu como um raio do Céu, arrastando consigo a terça parte dos anjos, escandalizados por seu exemplo perverso.
São Miguel, porém, jamais vacilou. Indignado com a afronta ao Senhor, fiel ao próprio nome, bradou: “Quem é como Deus?”
Como ousa alguém questionar, quanto mais revoltar-se, contra os perfeitos planos divinos? Quem poderia recusar-se a obedecer aos mandamentos da própria Divindade?
A fidelidade, o bom exemplo e a humildade de Miguel fortaleceram os bons anjos. Com ele, permaneceram firmes, repetindo: “Quem é como Deus?”. Lutaram contra Lúcifer, e — como dizem as Escrituras — os bons Anjos foram vitoriosos.
Eles passaram na prova. O Senhor então revelou diante de seus olhos a sua própria Face, e eles contemplaram a Deus na visão beatífica. Foram confirmados em graça, chegaram à glória e conheceram a Deus como Ele os conhecia.
O Verbo encarnado tornou-se seu alimento e fonte de graça e glória. E, por sua lealdade e humildade, São Miguel foi estabelecido acima dos príncipes do Céu, tornando-se o Príncipe da Milícia Celeste, chefe do povo de Deus e defensor da Igreja.
Quando o espírito do erro surgir, levando-nos a pensar que sabemos mais que os Doutores da Igreja, ou mesmo mais que o Magistério e a Tradição, e quando nos apegarmos a opiniões como se fossem dogmas, que possamos exclamar humildemente: “Quem é como Deus?”
Se imitarmos a humilde submissão de São Miguel ao Altíssimo, também nós seremos exaltados, em companhia dos Anjos e dos Santos no Céu.
Dom Prosper Guéranger. The Liturgical Year. 15 v. Loreto Publications, 2000.
Pe. João Batista Lehmann. Na luz perpétua. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1953.
Santo Tomás de Aquino. The Summa Theologiæ of St. Thomas Aquinas. 2. ed. rev. 1920. Online Edition by Kevin Knight. Disponível em: https://www.newadvent.org/summa/.