O Padre Frederick Faber divide a vida espiritual em três regiões de extensão muito desigual e de interesse muito diverso.
A primeira região é a fase maravilhosa dos principiantes; a segunda, o vasto deserto cheio de tentações, lutas e cansaços; e a terceira é a região das belas montanhas, arborizadas e banhadas d’água.
Acrescenta o referido sacerdote que, como a grande maioria dos homens devotos morre quando ainda está no deserto central, é importante considerar os falsos sinais que indicam para esses peregrinos do deserto um falso progresso na vida espiritual.
As duas tentações opostas que cercam a alma nessa fase da viagem são o desânimo e a presunção.
O desânimo, segundo ele, é a tendência para desistirmos de toda tentativa na vida devota, tanto pelas dificuldades que a cerca, como pelas nossas já numerosas falhas em praticá-la. É como o pecado de desespero, ainda que na realidade não seja pecado algum.
As pessoas que almejam a espiritualidade são especialmente sujeitas ao desânimo por causa da grande sensibilidade que têm. Sua atenção se firma em pequenas regras e em motivos interiores.
A alteração na consciência dessas pessoas, continua o Padre Faber, aviva a percepção do pecado e deixa mais sutil a sensibilidade da dor que o pecado inflige.
O resultado desse desânimo é a languidez e a tristeza, e nada poderia ser pior, porque impossibilita qualquer heroísmo.
O perigo oposto é a presunção, a qual acredita que a obra começada vale a obra acabada. Quando amigos indiscretos nos louvam pela nossa piedade, desfazem a obra de Deus em nossas almas, pois criamos uma confiança em nós mesmos.
É verdade, observa o clérigo, que há algumas coisas em nosso percurso que muito se assemelham ao que lemos sobre os santos; mas tais coisas são apenas o normal de uma alma em graça.
Santa Teresa de Jesus diz que a humildade é o primeiro requisito para os que desejam levar uma vida regularmente boa, mas que a coragem é o primeiro requisito para os que aspiram a qualquer grau de perfeição — e a coragem não está muito longe da presunção; por isso, devemos nos acautelar contra ela.
“Esse duplo perigo do desânimo e da presunção leva-nos em relação ao progresso espiritual, a cair em dois erros opostos. Por isso é de importância acautelarmo-nos contra certos sintomas que o desânimo toma como provas de falta de progresso, e a presunção aceita como provas de grande progresso, quando, na realidade, consideradas em si, não provêm nem uma nem outra coisa.”
O desaparecimento do defeito dominante pode não ser prova real de progresso, pois é possível que as nossas tentações estejam mais fracas por algum motivo.
Os nossos defeitos mudam com o tempo, seja pelo peso dos anos, seja por qualquer outra causa. Pode ser ainda que estejamos menos conscientes dos nossos defeitos.
Muitas vezes a presença de devoção sensível em nossos exercícios espirituais resulta de causas físicas: boa saúde, bom tempo, temperamento feliz. É mais fácil rezar entre os céus azuis e a brisa suave das montanhas que em uma rodovia sob um sol forte e sem água potável disponível.
A devoção sensível pode ainda ser prova de enfermidade ou infância espiritual, como um ímã que Deus usa para nos atrair no princípio da vida interior.
Muitas pessoas se entregam à tristeza — complementa o Padre Frederick — porque estão certas que tal e tal sintoma de sua vida espiritual é castigo divino. Mas não há nada desanimador em ser punido por Deus: quando Ele pune, mostra que não se esqueceu de nós. Se não formos punidos aqui, seremos punidos na eternidade.
Há pessoas que nunca abandonam a meditação diária, mas não apresentam sinais de levarem vida mais mortificada ou de dominarem sua paixão dominante.
O hábito da oração é coisa excelente, mas não deve ser confundido com o dom da oração. Este ou aquele tempo litúrgico; este ou aquele tema podem facilitar ou dar maior gosto à oração.
De modo semelhante, não há razão para desanimarmos quando a meditação, ao contrário, em vez de se tornar mais fácil, parece tornar-se impossível.
“O que não chega a ser pecado, diz o Padre Faber, nunca deve nos desanimar.”
As tentações podem diminuir em certas épocas, ou os seus atrativos podem desaparecer, em razão de alguma mudança nas circunstâncias exteriores.
Às vezes, o mundo nos ajuda; às vezes, nos tolhe com suas distrações. O continuar da tentação é prova de que, pelo menos até agora, não consentimos nela.
O cão continua a latir, diz São Francisco de Sales, porque não consegue entrar. Conclui o referido sacerdote que devemos, portanto, como Jacó, batalhar até o amanhecer.
Sobretudo em relação à confissão e à comunhão, que recebemos com maior frequência: pode acontecer que estejamos mais ou menos sensíveis aos efeitos que nos causam.
Essa sensibilidade, destaca o Padre Faber, pode vir de causas físicas ou morais. Pode Deus nos dar uma sensibilidade para estimular a parte inferior de nossa alma, como um impulso para subir uma grande ladeira.
O contrário também pode ocorrer: os sacramentos podem tornar-se insípidos, mas nem isso deve nos desanimar. Lembremo-nos que a graça dos sacramentos não depende de nosso mérito nem é necessariamente proporcional à sensação que com eles se recebe.
“A fé pura é o maior de todos os exercícios espirituais.”
Estejamos atentos a esses sinais para não nos enganarmos sobre nós mesmos. A humildade, diz Santa Teresa, é caminhar na verdade.
Padre Frederick Faber. Progresso na vida espiritual. Rio de Janeiro: Ed. CDB, 2021.