Escutamos neste X Domingo depois de Pentecostes a parábola do fariseu e do publicano. O que Nosso Senhor quer nos ensinar ao contá-la?
Vamos primeiro à Escritura Sagrada:
Naquele tempo: disse Jesus também esta parábola a uns que confiavam muito em si mesmos, como se fossem justos, e desprezavam os outros. "Subiram dois homens ao templo a fazer oração: um era fariseu, outro publicano. O fariseu, de pé, orava no seu interior desta forma: Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os outros homens: ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes na semana; pago o dízimo de tudo o que possuo. O publicano, porém, conservando-se à distância, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Meu Deus, tem piedade de mim pecador. Digo-vos que este voltou justificado para sua casa, o outro não; porque quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.” (Evangelho segundo São Lucas 18, 9-14).
Contexto da parábola
São Lucas narra no capítulo XVIII de seu Evangelho que Nosso Senhor dirige-se àqueles que se julgavam justos, que confiavam em si mesmos, desprezando os outros.
Naquela época, tais eram os fariseus, os saduceus, os escribas e os doutores da Lei. Em nosso tempo, podem ser todos os que se gabam de conhecer e de cumprir todas as leis, com desprezo dos ignorantes ou dos que não conseguem cumpri-las.
Quem são os personagens da parábola?
- Fariseu:
O nome “fariseu” vem do hebraico perushim, que significa “separado”. Os fariseus se dedicavam ao estudo e à interpretação da Torá (Lei de Moisés) e dos tradições orais. Procuravam aplicar a Lei de forma rigorosa na vida diária do povo, orientando sobre pureza, jejuns, orações e dízimos.
Para nós, hoje, esse nome tem uma má conotação. Porém, naquela época, os fariseus eram respeitados e admirados. Eram tidos como modelos a serem seguidos. Embora não controlassem o Templo (isso era papel dos saduceus), tinham grande influência sobre as sinagogas e a vida cotidiana do povo.
- Publicano:
O nome “publicano” vem do latim publicanus, que significava originalmente “funcionário público”. No contexto do Império Romano, um publicanus era alguém contratado pelo governo romano para cobrar tributos e impostos de uma determinada região.
Como cobravam impostos do próprio povo e muitas vezes ficavam com parte do excedente, rapidamente ganharam má reputação: corruptos. Eram odiados por colaborarem com o império invasor, muitas vezes com usura (esta, aprendida pelos judeus na Babilônia).
A postura de ambos
O fariseu entra no templo com aparência de santidade e reza enumerando suas virtudes, vangloriando-se: não é adúltero, jejua e paga dízimos extras (era obrigatório pagar apenas de certas rendas, mas ele se gabou de pagar sobre tudo o que possuía).
Teofilacto nota que os fariseus jejuavam no segundo e no quinto dia da semana. Por isso, o fariseu da parábola opôs o jejum à paixão do adultério, pois a luxúria nasce dos prazeres; mas aos corruptos e usurários ele contrapôs o pagamento dos dízimos, como se dissesse: Estou tão distante de me entregar à corrupção ou prejudicar alguém que até mesmo renuncio ao que é meu. Ele louva a si mesmo, em vez de louvar a Deus.
O publicano, ao que parece, também ficou de pé, como observa o mesmo Teofilacto, pois era o costume da época (e ainda é no Oriente).
Porém, o publicano diferia do fariseu tanto em seu modo quanto em suas palavras, bem como por ter um coração contrito. Pois temia levantar os olhos ao céu, considerando-se indigno da visão celestial aqueles que tanto haviam se deleitado em contemplar e seguir as coisas terrenas.
Também batia no peito, como que para punir os maus pensamentos, e para acordar, como se estivesse adormecido para a graça. Buscava apenas que Deus se reconciliasse com ele — uma oração verdadeira.
Aplicação prática
A diferença entre as duas “orações” (se é que também se pode chamar a do fariseu de oração) revela o perigo do orgulho e a necessidade da humildade.
Estamos na Quaresma de São Miguel, aquele Arcanjo cujo nome significa “Quem é como Deus?”. Seu nome é uma reflexão para a humildade.
Santo Tomás define a humildade como a restrição do desejo de ambicionar grandes coisas contrárias à reta razão (STh, II-IIæ, q. 161, a. 1, r. 3) e Santa Teresa dizia que a humildade é andar na verdade (Castelo Interior, c. 10).
Nesta Quaresma de São Miguel Arcanjo, podemos também nos perguntar:
Quem sou eu diante de Deus?
A oração que São Francisco fazia em suas vigílias, como relatou o Irmão Leão, era sempre assim:
“Senhor, quem és Tu? E quem sou eu?”…
Em outro lugar, Nosso Redentor nos exortou a sermos como criancinhas. Não as imitemos, porém, em suas rebeldias e desobediências, mas em sua humildade, de saber que nada temos que não seja recebido de nosso Pai. Que nossa oração seja esse trato amoroso com Ele, que, mesmo quando somos infiéis (como foi o publicano), permanece fiel pois não pode negar-Se a Si mesmo (II Tm 2, 13).
Rezemos com o espírito do publicano a chamada “Oração Jesus”:
Em eslavônico eclesiástico:
Господи Иисусе Христе, Сыне Божий, помилуй мя грешнаго.
Transliteração:
Gospodi Iesuse Christe, Sine Božij, pomiluj mja grešnago.
Tradução:
“Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador.”
Santo Tomás de Aquino. The Summa Theologiæ of St. Thomas Aquinas. 2. ed. rev. 1920. Online Edition by Kevin Knight. Disponível em: https://www.newadvent.org/summa/.
Santo Tomás de Aquino. The Catena Aurea: Gospel of Saint Luke. Tradução por John Henry Newman. Disponível em: https://isidore.co/aquinas/CALuke.htm#18.