
Muita coisa sem fundamento se diz da Idade Média, e condena-se inclusive as construções e instalações sanitárias da época, como se a modernidade fosse o que de mais salutar já aconteceu na história da humanidade. O historiador Reuben Parsons, em sua obra “Studies in Church History”, nos fornece um panorama geral de como eram as cidades da europa ocidental durante a Cristandade, na Idade Média. Obviamente, não se trata de uma descrição pormenorizada e exaustiva de todas as localidades em todos os anos medievais, mas uma ideia geral de como viviam as pessoas na Cristandade.
O autor combate a ideia de que as cidades medievais eram locais caóticos e sujos. Para ele, a Idade Média era mais organizada e saudável do que comumente se imagina, comparada inclusive a muitas cidades da era moderna pré-higiênica (séculos XVII–XVIII).
Ele destaca que as cidades eram pequenas, densas, com muralhas e subdivididas em bairros por ofício.
Havia uma forte vida comunitária, presidida por guildas, paróquias e confrarias.
Autoridades municipais e eclesiásticas regulavam mercados, limpeza pública, horários de trabalho e até preços, garantindo ordem.
Reuben Parsons descreve as casas como: construções simples, geralmente de madeira nas primeiras épocas e de pedra nas maiores cidades.
Andares superiores salientes, o que deixava as ruas estreitas e sombreadas.
Janelas pequenas; vidros eram raros e caros.
Mobiliário modesto, seguindo costumes de sobriedade.
Nosso historiador combate o estereótipo de que as casas eram imundas, afirmando que lavagem e arejamento eram práticas comuns, especialmente incentivadas pela moral cristã.
Não existia o abandono sanitário popularizado pelos críticos iluministas.
Cidades possuíam regulamentos de limpeza supervisionados por magistrados e guildas.
O lixo era removido periodicamente (ainda que rudimentarmente) e havia multas para despejos inadequados.
Existiam fossas, canais laterais e, em cidades maiores, sistemas de drenagem herdados ou inspirados pelos romanos.
As cidades medievais, apesar de primitivas, não eram mais sujas do que as grandes cidades protestantes da época moderna.
As ruas não tinham iluminação contínua, mas havia lanternas públicas em áreas de circulação e tochas em ocasiões especiais.
A população se recolhia cedo; a noite era considerada tempo de recolhimento.
A vigilância era realizada por guardas locais e membros das corporações.
Reuben Parsons apresenta essa simplicidade noturna como prova de sobriedade e segurança comunitária, não como atraso. Muitas família hoje notam que a abundância de iluminação artificial dificulta o estabelecimento de uma rotina com as crianças, que facilmente trocam o dia pela noite.
A descrição de Parsons enfatiza dieta abundante em pães, mingaus, vegetais, carnes de criação doméstica, caça e grande uso de peixe, sobretudo em dias de abstinência.
Festas religiosas e civis ofereciam grandes banquetes, como sinal de prosperidade daquela época.
Mercados eram regulados pelo governo: pesos, medidas e os preços deveriam ser justos.
O povo medieval, em geral, não vivia faminto; ao contrário, a fome era rara dentro da ordem cristã, aparecendo sobretudo em épocas de guerra ou calamidade natural. Os pobres recebiam um certificado de seu pároco, para que pudessem pedir esmola; assim, não havia problema de desconfiança por parte do povo em dar a todos os que pediam, porque era difícil que alguém não inválido estivesse autorizado a pedir esmolas indevidamente.
A vida urbana era moldada pela religião, com festas litúrgicas, procissões, mercados ligados ao calendário da Igreja.
Os costumes eram marcados por decoro, com penalidades severas para blasfêmia, embriaguez pública e violência. São Luís queimava a língua de um criminoso condenado por blasfêmia.
Guildas organizavam solidariedade mútua e cuidavam de doentes, viúvas e pobres.
Claramente, ordem social medieval era moralmente superior à modernidade relativista e individualista, onde cada um precisa “se virar” para começar tudo do absoluto zero, em vez de herdar todo um sistema de apoio à vida adulta.
Roupas simples, funcionais, mas bem cuidadas.
Tecidos de lã predominavam; roupas de linho e seda eram mais caras.
As leis suntuárias (que proibiam exageros) eram prova de uma sociedade que buscava modéstia cristã e equilíbrio social. Atualmente, uma mulher “honesta" pode ser facilmente confundida com uma que trabalha no meretrício. Isso era impensável há 100 anos no Brasil, e muito mais na Cristandade.
Nobreza e clero tinham trajes específicos, mas sempre dentro de normas morais, não da ostentação desmedida que se vê no Renascimento.
As cidades medievais tinham grande atividade econômica, estruturada por corporações de ofício. Os pais ensinavam seu ofício aos seus filhos, de forma que a vida profissional deste já estava encaminhada. Atualmente, o jovem precisa escolher uma profissão aleatória em um momento imaturo e inexperiente de sua vida, levando a escolhas não muito sábias e sem qualquer conhecimento precedente.
Artesãos produziam com alto padrão técnico, especialmente pedreiros, ourives e tecelões.
O mercado era ordeiro, regulado em horários, qualidade e preços.
A cidade medieval era profundamente católica, com práticas devocionais cotidianas.
Os clérigos estavam presentes na vida pública e eram responsáveis pela educação, caridade e arbitragem de conflitos. Foi a Igreja Católica que inventou hospitais, escolas e universidades; foi a grande promotora dos estudos científicos.
A criminalidade era baixa, porque a estrutura social era mais coesa do que a das cidades modernas pré-industriais.
A cidade medieval, segundo nos relata os estudos de Reuben Parsons, não era um lugar de sujeira, escuridão e atraso, mas uma comunidade ordenada, moralmente estruturada, profundamente católica, com economia regulada, alimentação suficiente, costumes moderados e convivência baseada na fé e na solidariedade.
Ignorar que a realidade nem sempre foi pautada pela louca economia que hoje nos escraviza implica na certeza de não fomentar esperança que as coisas melhorem. Saber que a Igreja foi capaz de influenciar tanto e tão bem a sociedade nos impele a batalhar pela restauração da família e da Igreja, para que o bem e a ordem se difundam novamente, favorecendo a busca pelas virtudes e a livre prática da religião verdadeira.
Reuben Parsons. Studies in Church History, 6 v. Philadelphia: John Joseph McVey, 1886.