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Três hinos de Santo Tomás para a oitava de Corpus Christi

Espiritualidade
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26/6/2025
Equipe do Padre Leonardo Wagner

Tal era a solenidade que a Igreja quis dar à festa de Corpus Christi, que o Papa Martinho V, pela sua constituição Ineffabile Sacramentum, permitiu que essa festa e sua oitava fossem celebradas com o toque dos sinos e solenidade mesmo nos lugares que estivessem sob algum interdito.

Dentre as composições de Santo Tomás de Aquino para o ofício desta oitava, escolhemos três para reproduzir aqui à parte, com a devida tradução, para que todos possamos experimentar um pouco do auge da escolástica, a qual, muito longe de ser fria e seca, elevava qualquer coração à mais alta contemplação das doçuras e dos amores divinos.

A própria tradução será suficiente para maior compreensão da doutrina do Doutor Angélica, sem necessidade de maiores explicações.

No ofício de Matinas, após o Invitatório que comemora a transferência do reino de Cristo para os gentios, a Igreja entoa um hino triunfante que faz memória da Última Ceia e celebra os maravilhosos favores conferidos aos homens naquela noite:

Sacris solemniis

iuncta sint gaudia,

et ex praecordiis

sonent praeconia;

recedant vetera,

nova sint omnia,

corda, voces, et opera.

Nesta sagrada solenidade, cantemos com alegria, brotem do fundo da alma cânticos de piedade. Retroceda o que é antigo, tudo seja novo em nós: as obras, a voz e os corações.

Noctis recolitur

cena novissima,

qua Christus creditur

agnum et azyma

dedisse fratribus,

iuxta legitima

priscis indulta patribus.

Recordamos aquela noite de luz, em que, na Última Ceia, aos seus irmãos, deu Cristo o Cordeiro e o pão ázimo segundo os ritos legais que primeiramente ensinara a nossos pais. 

Post agnum typicum,

expletis epulis,

Corpus Dominicum

datum discipulis,

sic totum omnibus,

quod totum singulis,

eius fatemur manibus.

Depois de dar-lhe o cordeiro figurativo, terminada a Ceia, confessamos com fé que o Senhor, com Suas próprias mãos, deu Seu Corpo a seus discípulos, e deu de forma que o todo foi dado a todos, e o todos foi dado a cada um.

Dedit fragilibus

corporis ferculum,

dedit et tristibus

sanguinis poculum,

dicens: Accipite

quod trado vasculum;

omnes ex eo bibite.

Deu aos frágeis seu Corpo como comida; deu aos tristes seu Sangue como bebida; dizendo: tomai, o cálice que vos transmito; bebei dele todos.

Sic sacrificium

istud instituit,

cuius officium

committi voluit

solis presbyteris,

quibus sic congruit,

ut sumant, et dent ceteris.

Assim Ele instituiu o sacrifício do altar, dando só aos sacerdotes o poder de consagrar; aos seus ministros compete tomar seu Corpo nas mãos, comungá-lo e reparti-lo por todos aos demais.

Panis angelicus

fit panis hominum;

dat panis caelicus

figuris terminum;

O res mirabilis:

manducat Dominum

pauper, servus et humilis.

O pão dos Anjos se fez pão dos homens; dá o pão do céu fim às figuras. Ó coisa admirável! Os pobres, os servos e os humildes comem o Senhor!

Te, trina Deitas

unaque, poscimus:

sic nos tu visita,

sicut te colimus;

per tuas semitas

duc nos quo tendimus,

ad lucem quam inhabitas.

Ó Divindade una e trina, vossos filhos Vos imploram: visitai os corações que prostrados Vos adoram; e pelos vossos caminhos, por onde os homens chamais, levai-nos à luz eterna, onde Vós habitais.

* * *

O hino de Laudes não é menos belo:

Verbum supernum prodiens,

nec Patris linquens dexteram,

ad opus suum exiens,

venit ad vitae vesperam.

O Verbo vindo do alto, mas não deixando a destra do Pai, saindo para sua obra, veio às vésperas da vida.

In mortem a discipulo

suis tradendus aemulis,

prius in vitae ferculo

se tradidit discipulis.

Para ser entregue à morte por dinheiro pelo seu discípulo, antes, em vida se entregou aos seus discípulos.

Quibus sub bina specie

carnem dedit et sanguinem;

ut duplicis substantiae

totum cibaret hominem.

A eles, sob duas espécies, deu a carne e o sangue, para que pelas duplas substâncias, o homem se alimente do todo.

Se nascens dedit socium,

convescens in edulium,

se moriens in pretium,

se regnans dat in praemium.

Ao nascer, se fez sócio; conviva à mesa; preço ao morrer; prêmio ao reinar.

O salutaris hostia,

quae caeli pandis ostium,

bella premunt hostilia;

da robur, fer auxilium.

Ó vítima salutar, escancarando as portas do céu; os inimigos promovem guerra, dai-nos força, trazei auxílio.

Uni trinoque Domino

sit sempiterna gloria:

qui vitam sine termino

nobis donet in patria. Amen.

Ao Deus Uno e Trino seja a glória sempiterna; que nos dê na pátria e vida sem término. Amém.

* * *

A instituição da Eucaristia, por Joos van Wassenhove. Óleo sobre a madeira, 1473-75; Galleria Nazionale delle Marche, Urbino.

Após o Gradual e o Aleluia da Missa, cantamos a sequência Lauda Sion.

Dom Guéranger explica que a Igreja — verdadeiro Monte Sião — expressa seu entusiasmo e amor pelo vivo e vivificante Pão em palavras que, à primeira vista, pareceriam precisas e escolásticas demais para serem adaptadas a uma forma poética. Ele continua, dizendo que o mistério Eucarístico é aqui desenvolvido com tal concisão e solenidade que só o talento de Santo Tomás era capaz:

Lauda Sion Salvatorem,

lauda ducem et pastorem,

in hymnis et canticis.

Quantum potes, tantum aude:

quia maior omni laude,

nec laudare sufficis.

Louva, Sião, o Salvador; louva o guia e pastor, com hinos e cânticos. Quanto possas, tanto louves, porque o maior de todos os louvores não é suficiente para louvar.

Laudis thema specialis,

panis vivus et vitalis

hodie proponitur.

Quem in sacrae mensa cenae,

turbae fratrum duodenae

datum non ambigitur.

Louve o tema especial, o pão vivo e vivificante que hoje é proposto. O qual, naquela mesa da ceia sagrada, deu-se sem dúvidas à turba de seus doze irmãos.

Sit laus plena, sit sonora,

sit iucunda, sit decora

mentis iubilatio.

Dies enim solemnis agitur,

in qua mensae prima recolitur

huius institutio.

Seja nosso louvor de nossa alma pleno, seja sonoro, seja feliz, seja decoroso. Pois estamos celebrando aquele dia solene, no qual se comemora a primeira instituição desta Mesa.

In hac mensa novi Regis,

novum Pascha novae legis,

phase vetus terminat.

Vetustatem novitas,

umbram fugat veritas,

noctem lux eliminat.

Nesta Mesa do novo Rei, a nova Páscoa da nova Lei põe um fim à fase vetusta. A novidade dá lugar ao velho, e assim a verdade à sombra; a luz elimina a noite.

Quod in coena Christus gessit,

faciendum hoc expressit

in sui memoriam.

Docti sacris institutis,

panem, vinum in salutis

consecramus hostiam.

O que Cristo fez na Ceia, disse para ser feito em sua memória. Ensinado pelas sagradas instituições, consagramos o pão e o vinho na vítima da Salvação.

Dogma datur christianis,

quod in carnem transit panis,

et vinum in sanguinem.

Quod non capis, quod non vides,

animosa firmat fides,

praeter rerum ordinem.

Esse dogma foi dado aos cristãos: que o pão se muda em carne e o vinho em sangue. O que não compreendes, o que não vês, deixe que a fé animada firme o que está além da ordem das coisas.

Sub diversis speciebus,

signis tantum, et non rebus,

latent res eximiae.

Caro cibus, sanguis potus:

manet tamen Christus totus

sub utraque specie.

Sob diversas espécies, que são sinais e não coisas, escondem-se coisas exímias. A carne é comida, o sangue é bebida; e Cristo está todo sob uma e outra espécie.

A sumente non concisus,

non confractus, non divisus:

integer accipitur.

Sumit unus, sumunt mille:

quantum isti, tantum ille:

nec sumptus consumitur.

Pelo que consome, não é partido, não é fracionado, não é dividido: é recebido integralmente. Consome um, consomem mil: aquele recebe tanto quanto este, e não é consumido o que é recebido.

Sumunt boni, sumunt mali:

sorte tamen inaequali,

vitae vel interitus.

Mors est malis, vita bonis:

vide paris sumptionis

quam sit dispar exitus.

Consomem os bons, consomem os maus; mas a sorte é desigual: vida ou morte. Morte para os maus, vida para os bons: veja quão par é o consumo; quão ímpar é o êxito.

Fracto demum sacramento,

ne vacilles, sed memento

tantum esse sub fragmento,

quantum toto tegitur.

Nulla rei fit scissura:

signi tantum fit fractura,

qua nec status, nec statura

signati minuitur.

E quando o sacramento é fracionado, não vacile, mas lembre: está tão presente em cada fragmento quanto escondido sob o todo. Quando o sinal é fraturado, a coisa não é dividida; e Aquele que ali está significado não é diminuído em estado nem em estatura.

Ecce Panis Angelorum,

factus cibus viatorum:

vere panis filiorum,

non mittendus canibus.

In figuris praesignatur,

cum Isaac immolatur,

agnus Paschae deputatur,

datur manna patribus.

Eis o Pão dos Anjos, feito comida dos viadores: verdadeiro pão dos filhos, não para ser jogado aos cães. Em figuras prefigurado quando Isaac é imolado, o Cordeiro Pascal é prescrito, o maná é dado aos patriarcas.

Bone pastor, panis vere,

Iesu, nostri miserere:

Tu nos pasce, nos tuere,

Tu nos bona fac videre

in terra viventium.

Tu qui cuncta scis et vales,

qui nos pascis hic mortales:

tuos ibi commensales,

coheredes et sodales

fac sanctorum civium.

Amen. Alleluia.

Bom Pastor, pão verdadeiro, Jesus, tende misericórdia de nós: fazei-nos ver os bens da terra dos vivos. Vós, que tudo sabeis e podeis, que a nós mortais aqui alimentais; com os vossos comensais, fazei-nos vossos co-herdeiros e companheiros; co-cidadãos dos santos! Amém. Aleluia!

Referências:

Dom Prosper Guéranger, O.S.B.. The Liturgical Year. Loreto Publications, Fitzwilliam, 2000.

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