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Um milagre, uma freira e um diácono: a origem de Corpus Christi

História da Igreja
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20/6/2025
Equipe do Padre Leonardo Wagner

Santa Juliana de Liège

Em 1192, nasceu em Liège (então Sacro-Império Romano, atual Bélgica) uma menina chamada Juliana e sua irmã gêmea Agnes, órfãs aos 5 anos de idade. Agnes morreu jovem, e Juliana entrou aos 13 anos para a ordem premonstratense (norbertinas).

Aos 16 anos, Juliana começou a ter visões, dia e noite, de uma lua em seu pleno esplendor, à exceção de uma faixa negra que a atravessava. Juliana não comentava com ninguém essas visões, mas guardava tudo no coração.

Após alguns anos, porém, ela teve uma visão de Nosso Senhor, e Ele lhe disse que a lua que ela via constantemente simbolizava o calendário da Igreja, e a listra negra nela significava a ausência de uma festa importante dedicada ao Santíssimo Sacramento do Altar.

Juliana então confiou o assunto a seu diretor espiritual, o Cônego João de Lausanne, e este, por sua vez, ao arquidiácono de Liège, Jacques Pantaléon.

O restante de sua vida, então, foi uma batalha até o fim. Ela foi perseguida, mesmo tendo se tornado priora de sua comunidade de freiras. Foi expulsa da ordem duas vezes, acusada de apropriação indevida de fundos e de todo tipo de maldade, mesmo sendo santa (canonizada em 1869 por Pio IX).

Ela foi perseguida até o dia de sua morte, que ocorreu em 1258.


Papa Urbano IV

Jacques Pantaléon nasceu em 1195, foi eleito bispo de Verdun (França) em 1253 e Patriarca Latino de Jerusalém em 1255.

Com a morte do Papa Alexandre IV e após três meses de sedevacante, os cardeais escolheram Jacques em 29 de agosto de 1261 para ser o próximo sucessor de Pedro, não sendo ele mesmo um cardeal.

Pantaléon foi o primeiro a ser eleito desta forma, seguido de apenas mais cinco: Gregório X, Celestino V, Urbano V, Clemente V e Urbano VI.

Milagre de Bolsena

Durante o segundo ano do reinado de Urbano IV, enquanto este residia na cidade de Orvieto (comuna na Itália, próxima a Roma), aconteceu que um sacerdote alemão chamado Pedro de Praga foi assolado por dúvidas sobre a verdade da Presença Real de Nosso Senhor na Eucaristia.

Desejando afastar-se de sua inquietação espiritual, esse sacerdote fez uma peregrinação a Roma (onde estão as relíquias de seu patrono, São Pedro), em busca de fortalecimento de sua fé. 

No retorno, enquanto celebrava a Santa Missa na cripta de Santa Cristina, na cidade de Bolsena (que fica próxima a Orvieto), ao pronunciar as palavras da instituição, viu dela jorrar sangue — sinal visível e tangível da Presença de Cristo. O sangue manchou o corporal, o altar e as pedras do pavimento.

Profundamente abalado, o sacerdote dirigiu-se imediatamente a Orvieto, levando consigo o corporal ensanguentado. Lá, apresentou-se ao Papa Urbano IV, confessou suas dúvidas e relatou o milagre. 

O Papa, após verificar o ocorrido com prudência e veneração, reconheceu o fato como sinal divino e ordenou que o corporal fosse solenemente entronizado na Catedral de Orvieto, onde se conserva até hoje como relíquia sagrada.

Este milagre teve um papel decisivo na confirmação celestial da doutrina Eucarística e impulsionou Jacques Pantaléon a instituir a festa de Corpus Christi (em latim, Corpo de Cristo), cuja instituição já lhe fora manifestada pela vida de Santa Juliana de Liège, como relatamos acima.

O Ofício da Festa

Conta-se que o Papa ordenou a Santo Tomás de Aquino e a São Boaventura que compusessem o ofício (os textos) do Breviário e da Santa Missa para a nova festa, e que ambos apresentassem suas composições em determinada data.

Ainda parte da lenda não comprovada é que Santo Tomás teria sido o primeiro a apresentar (pela ordem) e que, São Boaventura, ao ouvir a magnífica beleza daqueles textos angélicos, teria descartado imediatamente sua obra, dizendo que o ofício composto por Santo Tomás deveria ser colocado na liturgia.

Porém, temos certeza de que foi Santo Tomás quem compôs o ofício, a pedido do Papa, e a transubstanciação foi dogmatizada pela Igreja posteriormente com base em suas definições tão precisas quanto belas.

Assim nasceram os sublimes poemas que ainda hoje ressoam nos corações fiéis: o Pange Lingua, o Lauda Sion, o Adoro Te Devote, e o Tantum Ergo, todos resplandecentes em doutrina e unção espiritual do Doutor Angélico.

Urbano IV estabeleceu a festa de Corpus Christi com a bula Transiturus de hoc mundo, promulgada em 1264. Nela, o pontífice declarou o intento de exaltar a fé católica na Eucaristia, instituiu a solenidade para toda a Igreja e ordenou que fosse celebrada na quinta-feira após a oitava de Pentecostes.

* * *

A instituição desta festa, observa o sacerdote e historiador Dr. Reuben Parsons, é uma prova da vitalidade teológica e espiritual da Igreja medieval, que respondia aos erros com majestade litúrgica, doutrina clara e culto solene. A festa de Corpus Christi passou a ser ocasião não só de Missa solene e Ofício próprio, mas também de procissões públicas, nas quais o Santíssimo Sacramento é levado pelas ruas, como bênção e testemunho público da fé.

Essa prática, aponta Parsons, tem duplo efeito: reforça a doutrina nos corações católicos e oferece aos olhos do povo uma profissão de fé viva, contrária aos erros que tentavam corroer a substância da religião: ecce Panis Angelorum, factus cibus viatorum (eis o Pão dos Anjos, feito alimento dos viadores)!

Referências:

Pe. Reuben Parsons, D.D.. Studies in Church History. Philadelphia: John Joseph McVey, 1901. Vol. II.

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