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Negação prática do Filioque

Doutrina
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17/6/2025
Equipe do Padre Leonardo Wagner

O que é o Filioque e como se pode afirmar que hoje há uma negação na prática dessa verdade de fé?

Antes, é preciso lembrar que sabemos muitas coisas sobre esse mistério tão profundo que é a Santíssima Trindade. 

Sabemos algo da vida íntima de Deus, simplesmente porque fomos feitos à Sua imagem — e também porque o próprio Deus nos revelou isso.

Mais ainda: somos recriados à Sua semelhança — não apenas fomos feitos à imagem d'Ele, mas somos refeitos segundo Sua semelhança — por meio das águas do batismo, que é conferido "em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo".

Mesmo que o que saibamos sobre a Santíssima Trindade seja apenas uma parte desse mistério profundo e dessa beleza de Deus, é algo que podemos conhecer — e conhecer mesmo essa pequena parte pode nos ajudar imensamente a compreender muitas coisas sobre nós mesmos, sobre nossa própria existência e, é claro, sobre Deus.

Portanto, não devemos descartar o mistério da Trindade como sendo “demais para nós” ou “muito misterioso”, mas devemos querer conhecer o máximo que pudermos — devemos querer conhecer mais.

Além disso, a Igreja passou por muitas provações no tocante à natureza da Santíssima Trindade, especialmente nos primeiros séculos. Houve muitas heresias em torno desse mistério. Assim, a Igreja nos forneceu uma teologia precisa das três Pessoas em um só Deus.

Hoje é amplamente divulgado na internet que o ensinamento da Igreja tem sido negligenciado por muitos. As pessoas, frequentemente, acreditam no que querem, escolhendo e descartando o que lhes convém nesta vida. Por isso, não devemos nos surpreender ao ver que alguns dos erros dos primeiros séculos da Igreja — referentes à Santíssima Trindade — reapareceram em nosso tempo.

Erro moderno sobre o Filioque

Vamos agora escrever sobre um desses erros, que voltou a circular.

Este erro é corrigido pela frase do Credo que recitamos ou cantamos todos os Domingos na Missa: “Creio no Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho.” Atenção para essa parte: “e do Filho”; em latim, Filioque.

O erro de dizer que o Espírito Santo não procede do Pai e do Filho ainda existe hoje — é sustentado obstinadamente pelos heterodoxos orientais. Note-se, no entanto, que não estamos dizendo que esse erro tenha retornado de forma formal dentro da Igreja Católica nos nossos dias. Ninguém professa abertamente esse erro dentro da Igreja. Em outras palavras, as pessoas não estão caindo nele de propósito.

Entretanto, parece-nos que esse erro ressurgiu de forma material, de fato — ou seja, encontramos sua presença em diversas atitudes e formas de pensar atuais. Já que Filioque corrige um erro quanto à processão do Espírito Santo, parece que hoje muitos agem ou pensam como se o Espírito Santo procedesse apenas do Pai, e não do Pai e do Filho.

Resumo da teologia Trinitária

Antes de explicar o que quero dizer com isso, precisamos revisar a nossa teologia Trinitária — o que, curiosamente, envolve contar até cinco. Vamos lá:

1 – Um só Deus

um só Deus. Ele é uno em natureza ou substância. É uno no ser — e, para Deus, "ser" é simplesmente existir. Deus é a própria existência. Seu ser é ato puro, ser puro, existência pura. Por isso Ele disse a Moisés no monte: “Eu sou Aquele que é.” Como se canta no Prefácio da Missa aos Domingos durante o ano:

"Vós sois um só Deus, um só Senhor, uma só substância, unidade na essência."

2 – Duas processões

Sabemos, pela doutrina da Igreja e pela Revelação divina expressa no Credo, que o Filho Unigênito de Deus — o Verbo — é eternamente gerado do Pai. Essa processão chama-se geração.

Depois, o Espírito Santo procede eternamente do Pai e do Filho (Filioque). Essa processão se chama inspiração (spiratio).

É essencial manter em mente que há uma ordem nas processões de Deus. A geração deve preceder a inspiração — sem a geração, não se pode inspirar. A inspiração é a “respiração” do amor entre o Pai e o Filho.

Portanto, a geração em Deus precede a inspiração (spiratio): a verdade precede o amor. Há o conhecedor em Deus (o Pai), o conhecido em Deus (o Filho), e o amor compartilhado por ambos (o Espírito Santo).

Antes de amarmos algo, precisamos conhecê-lo. Isso é o ponto número dois.

3 – Três Pessoas

Vamos pular o número três por um momento (já sabemos que se refere às três Pessoas) e ir ao quatro.

4 – Quatro relações

Com cada processão em Deus (geração e espiração), surgem relações verdadeiras. Como há duas processões em Deus, há quatro relações.

Isso não é difícil de entender quando olhamos para nossas famílias — pensemos nos nossos pais. Há uma relação entre nós e nossos pais: fomos gerados por eles. Há paternidade da parte deles e filiação da nossa parte. Duas relações.

O mesmo se dá em Deus: há o Pai e o Filho na geração. Depois, na e inspiração do Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, há mais duas relações — o que totaliza quatro relações.

3 (voltando) – Três Pessoas

Se uma relação em Deus é única e irrepetível, então essa relação é uma Pessoa divina. É por isso que definimos uma pessoa humana ou angélica como alguém único e irrepetível — isso vem da teologia Trinitária.

Por isso, por exemplo, devemos abominar o aborto: porque ali se destrói alguém único e irrepetível.

Podemos também pensar em “pessoa” como “personalidade”. Quanto mais conseguimos nos relacionar, mais nossa personalidade se desenvolve; quanto menos nos relacionamos, mais nossa personalidade se degrada. Há uma diferença entre um santo — que se aproxima de todos — e alguém como um assassino em série. A personalidade deste se desfaz, enquanto o santo se torna mais semelhante a Deus.

Ninguém é inacessível para um santo — isso vem da teologia Trinitária da Igreja Católica Romana.

Agora, voltando ao Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, temos apenas três relações únicas e irrepetíveis em Deus — ou seja, três Pessoas — porque uma das quatro relações é compartilhada pelo Pai e pelo Filho. Não é única.

Só isso já mostra o erro da ideia de que o Espírito Santo procede apenas do Pai, como sustentam os “ortodoxos” orientais: se isso fosse verdade, haveria quatro Pessoas divinas — e não três.

Concluímos nossa contagem: 1, 2, pulamos para 4, depois voltamos ao 3. O número 5 — cinco noções em Deus — deixaremos para outro artigo.

Mas isso já nos dá base suficiente para entender a situação atual da Igreja.

Sinal da Cruz

Como mencionamos antes, é fundamental compreender que há hierarquia em Deus — ordem em Deus — por causa dessas processões. O Pai está no topo, seguido do Filho, que é eternamente gerado por Ele. O conhecedor e o conhecido. O amante e o amado. O Espírito Santo procede de ambos — Ele é o amor que compartilham.

É por isso que fazemos o sinal da cruz da forma que fazemos: Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Nessa ordem.

O Filho foi enviado antes do Espírito Santo: temos a Páscoa antes de Pentecostes. E isso também quer dizer que o objetivo mais elevado é Deus Pai. Tudo tende ao Pai. Tudo vem do Pai. Tudo flui do Pai. Tudo o que é bom, santo e justo retorna ao Pai. Ele é o fim último de toda a criação.

Por que isso é importante?

Ao menos por duas razões.

Primeiro, isso toca diretamente na forma e no motivo pelo qual nos aproximamos de Deus, buscando, em última instância, Deus Pai. Por que as pessoas procuram a Deus? Uma palavra: amor, caridade. Deus é caridade. Deus é amor. E sabemos que todas as coisas boas vêm d’Ele. E toda a humanidade deseja esse amor infinito e sem fim que é Deus — está gravado em nosso ser, queremos esse amor, embora pareça que todos estejam constantemente o procurando nos lugares errados.

Deus Pai é o Amante, Deus Filho é o Amado, e Deus Espírito Santo é o Amor que Eles partilham.

Agora, estamos prontos para abordar o erro moderno, e aqui está ele: Se o Espírito Santo é o Amor — o Amor de Deus — por que não posso simplesmente ir direto ao Espírito Santo e encerrar por aí? 

Pense bem: a mentalidade e a cultura atuais nos dizem o quê? Evitar a dor, evitar o incômodo — isso deve ser evitado. Dificuldades devem ser eliminadas a todo custo. Nada de penitência, nada de disciplina. Assim surge o desejo e o esforço do homem moderno de encontrar um caminho fácil, sem dor e que traga sensações agradáveis para chegar ao Pai — à parte do Filho. Então, ele busca o Espírito Santo como atalho para Deus Pai.

Há um movimento de origem protestante, que insiste em afirmar que se pode ir direto ao Pai. Acaba-se negando, de fato, a Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou a tratando como um simples evento histórico, ou como uma chave que abre a porta para ir direto ao Pai, em vez do que realmente é: a Encarnação é algo que continua na Igreja até o fim dos tempos.

É disso que trata o Batismo: nascer com Cristo — algo no qual todos devemos participar, se quisermos ser salvos. Seguir essa maneira de pensar é cair no erro que foi corrigido pela adição do Filioque no Credo: o Espírito Santo procede do Pai e do Filho.

O Espírito Santo sempre nos conduz de volta ao Filho.
Ele revela o Filho, que é o Caminho para o Céu e para Deus Paie esse é o único Caminho.

Qual é o caminho do Filho?
Ressurreição, Ascensão... pelo Calvário.
Não se pode escapar dele.
Pelo Calvário.
Pelo sofrimento voluntário unido ao sofrimento de Cristo, especialmente como é representado na Santa Missa.

O Espírito Santo sempre nos leva de volta ao Filho — para que nos tornemos outro Cristo, para que possamos completar a jornada e retornar ao Pai.

É isso que os santos nos mostraram com suas próprias vidas. É isso que Nossa Senhora está constantemente nos dizendo em suas aparições aprovadas:

"Penitência, penitência, penitência!”

Ela está sempre nos conduzindo ao Calvário de seu Filho.

Portanto, não apenas a Encarnação continua ao longo dos séculos na Igreja, até o fim, mas também o Calvário. É por isso que temos a Missa.

E, assim, em todo tempo, o Espírito Santo faz o quê?
Impulsiona os santos a irem ao deserto, a serem tentados, a sofrerem e a vencerem.

É isso que Ele faz. Ele impele os membros da Igreja, em imitação a Nosso Senhor Jesus Cristo, a subirem o Monte de Deus, a abraçarem a cruz, a morrerem completamente para si mesmos, a se tornarem mártires de Cristo, para que possam ressuscitar com Cristo.

Se, porém, o Espírito Santo pudesse nos conduzir ao Pai sem passar pelo Calvário, não precisaríamos subir o Monte de Deus — cujo cume é a crucifixão, a morte de si, com Cristo Nosso Senhor elevado e atraindo todos a Si.

Ele mesmo não disse: Quando eu for levantado, atrairei todos a mim?

Pelo visto, Ele não quis dizer “tudo”, afinal. Não precisamos ir ao Calvário. Podemos pegar um atalho.

Que engano!

Eis aí o motivo da popularidade desse pensamento: sem Calvário, sem penitência, sem cruz.

No entanto, isso é na prática uma negação do Filioque do Credo: “Posso ir ao Pai através do Espírito Santo, sem o Filho.”

Mas o Evangelho é claro: Deus Pai não hesitou em enviar Seu Filho unigênito, mesmo que isso significasse sua morte. Este é o único caminho de volta ao Pai também para nós e Ele envia o Espírito Santo para nos fortalecer nessa tarefa e até nos compelir ao longo do caminho.

Não há atalhos ao redor do Calvário. Apenas tentações para descer e acampar.

Além disso, como dissemos, o Filho procede do Pai, e o Espírito Santo procede de ambosPai e Filho (Filioque).
Em outras palavras: a verdade (veritas) precede o amor (caritas).

E aqui está outro erro dos tempos modernos, que está por toda parte: muitos hoje querem dar e espalhar amor — apenas amor — sem a verdade.

Como pregador e confessor, a pressão é às vezes palpável: a pressão para dizer coisas bonitas, aparentemente amorosas, que fazem as pessoas se sentirem bem.
Mas esse comportamento não traz o amor de Deus. A verdade sempre precede o amor em Deus. E, portanto, também no mundo que Ele criou. Se há de haver amor, deve começar com a verdade.

Talvez conheçamos alguém em dificuldades — talvez um parente — e sabemos o motivo. Mas como é difícil dizer-lhes a verdade! Com amor, é claro, não com dureza nem amargura.

Mas, se fizermos isso, Deus Pai envia o Filho, e o Filho — junto com o Pai — envia o Espírito Santo.
E então o amor vem e enche aquela pessoa ou a move, a impulsiona a voltar à Igreja, à confissão.

Esse é o modo normal como Deus age. Ele enviou o Filho — a Verdade —, então o Espírito Santo veio em Pentecostes para preenchê-los de amor e conduzi-los à plenitude da verdade. Por isso a Igreja sempre faz um esforço para catequizar qualquer um que entre na Igreja, antes de receber os sacramentos — ou mesmo os fiéis ao recebê-los. A verdade em Deus precede o amor em Deus.

Mais uma vez: o amor procede do Pai e do Filho, e não apenas do Pai.

Diálogo com falsas religiões

E o que isso nos diz sobre toda a moda moderna de “diálogo” com religiões estranhas do mundo?

Nós conhecemos a Verdade, e a professamos no Breviário (ou ao menos ao final do artigo de ontem), com o Credo Atanasiano.

Mas vejamos a verdade revelada nas Sagradas Escrituras.
Isso é da Primeira Carta de São João:

“Todo aquele que nega o Filho, também não tem o Pai.”

Pois é. A maioria dessas religiões estranhas nega abertamente que Cristo é o Filho de Deus — ou até mesmo nega que haja um Filho de Deus. Negam a Trindade. Eles não têm o Pai.

Outro texto, da Segunda Carta de São João:

“Todo aquele que se rebela e não permanece na doutrina de Cristo, não possui a Deus.”

Alguns dizem: “Eu acredito na Trindade”, mas rejeitam a doutrina de Cristo — como a Missa, a Eucaristia, ou até o Batismo. Essas pessoas não possuem Deus.

São Paulo diz — em I Coríntios:

“Se alguém não ama o Senhor Jesus Cristo, seja anátema.”

Como escapar disso?

Há pessoas por aí, em outras religiões — muçulmanos, judeus — que odeiam Nosso Senhor Jesus Cristo. Eles O atacam, O rejeitam, escrevem contra Ele, O blasfemam. 

Eles não têm Deus.

O rei Davi diz:

“Todos os deuses dos gentios são demônios.”

Aí está. E os demônios são mentirosos. Não há verdade neles. Portanto, não há amor neles. Isso não funciona.

São Cipriano diz:

“Quem não tem a Igreja como mãe, não pode ter Deus como Pai.”

Essas pessoas, mais uma vez, não suportam a Igreja Católica. Trabalham ativamente para destruí-la. Nossas igrejas estão sendo incendiadas, fechadas, abandonadas. Pessoas estão sendo martirizadas. Mas “amam a Igreja”?

Sem a Igreja como mãe, não têm Deus como Pai. São Cipriano. Está até no Catecismo — o novo.

Santo Agostinho diz:

“Alguém possui o Espírito Santo na medida em que ama a Igreja de Cristo.”

Alguém que odeia a Igreja de Cristo possui o Espírito Santo? De forma alguma.

Está claro: Nosso Senhor disse:

“Ide pelo mundo inteiro e ensinai-lhes tudo o que vos ensinei” — não parte disso, mas tudo — “batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” 

Não mandou:

“Ide e orai junto com religiões estranhas.”

É difícil encontrar isso na doutrina revelada por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Vivamos, portanto, pela sólida teologia Trinitária, que nos diz que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, que Ele não é um caminho alternativo para o Pai, mas que nos impele a ser outro Cristo. Abracemos a longa tradição dos santos e unamos nossos sofrimentos aos de Cristo no Calvário, tornado presente na Santa Missa.

Abracemos a Verdade em sua plenitude e completude em Cristo, e teremos o Espírito Santo, que é o Amor de Deus.

Que não estejamos entre aqueles que acampam ao pé da montanha, mas nos deixemos atrair por Cristo Crucificado até o cume, e faremos isso em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.

Referências:

Santo Agostinho. Sermo 269: In die Pentecostes. De Spiritu Sancto et ecclesia. In: MIGNE, Jacques Paul (Ed.). Patrologiae cursus completus: series latina, v. 38. Paris: Garnier Fratres, 1841.

São Cipriano. A Unidade da Igreja Católica. Petrópolis: Vozes, 2024.

Pe. Tomás Pègues. A Suma Teológica em forma de catecismo. São Paulo, Editora Taubaté, 1942.

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