
Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração. (Mt 11, 29).
Entre todas as virtudes, nenhuma é tão fundamental e, ao mesmo tempo, tão negligenciada como a humildade. É ela o alicerce de todas as demais virtudes, o terreno fértil no qual cresce o organismo espiritual da graça. Sem humildade, toda a vida espiritual se torna uma ilusão.
Essa é a grande lição que o Padre Gaetano Maria da Bergamo, capuchinho que morreu no século XVIII, nos transmite em sua bela obra “Humildade de Coração”.
O Padre Bergamo ensina que a maneira mais fácil de adquirir todas as virtudes é começar pela humildade. Sem ela, até mesmo as boas obras podem ser contaminadas pelo amor-próprio e pelo desejo secreto de reconhecimento.
A humildade não é um sentimento de inferioridade, mas a verdade sobre nós mesmos diante de Deus: reconhecer que tudo o que há de bom em nós vem d’Ele, e que o pecado e a miséria são nossas únicas posses pessoais.
Santa Teresa d’Ávila dizia que a humildade é caminhar na verdade.
Por isso, Santo Agostinho repetia em suas orações: “Senhor, que eu te conheça, e que eu me conheça.” Este conhecimento de Deus e de si mesmo é o fundamento para o início da vida espiritual.
O modelo supremo da humildade é o próprio Cristo. O Verbo, Criador do mundo, se fez homem, quis ser pobre, obediente e desprezado pelos seus. Ele não ensinou uma humildade especulativa, mas a praticou em toda a sua vida terrena. Enfatiza o Pe. Gaetano:
Cristo não quis ordenar o que Ele mesmo não tivesse praticado.
A Santíssima Virgem Maria, por sua vez, atingiu a plenitude da santidade por meio da profundidade de sua humildade.
Santo Tomás de Aquino diz que “a humildade excede até a virgindade”, e São Pedro Damião recorda que nem mesmo Maria Santíssima teria sido admitida na glória sem essa virtude. Sua grandeza é inseparável da sua pequenez diante de Deus: "Eis aqui a escrava do Senhor.”
Mas todo pecado nasce do orgulho. Antes de cada transgressão, há uma mentira interior: o homem convence-se de que sabe mais do que Deus, de que pode desobedecer sem consequências.
O orgulho ou soberba é a negação da verdade e o primeiro passo para a perdição; é a raiz de todos os vícios, como bem ilustrou Hugo de São Vitor.
Um ponto central da obra é a distinção entre humilhação e humildade.
As humilhações são as circunstâncias externas — insultos, fracassos, críticas, correções — que Deus permite para nosso proveito. Mas elas só se tornam proveitosas quando aceitas interiormente com espírito de fé. Não é a humilhação em si que faz a alma humilde, ensina Bergamo, mas o ato interior com que a recebemos por amor de Cristo.
Por isso, devemos agradecer àqueles que nos humilham, ainda que suas intenções sejam más. Eles, sem saber, cooperam com nossa santificação.
O autor divide a prática da humildade em três direções:
1. Para com Deus: reconhecer nossa total dependência. Nada temos de próprio senão o pecado. Toda virtude é dom; toda graça, um favor imerecido. O soberbo confia em suas forças; o humilde pede auxílio em tudo.
2. Para com o próximo: aceitar correções, não buscar preferências, não julgar. O humilde vê os defeitos alheios com compaixão e os próprios com horror.
3. Para consigo mesmo: desconfiar das próprias opiniões, evitar vanglórias, fugir do desejo de parecer justificado. Há uma soberba disfarçada que se deleita em parecer humilde; por isso, o autor recomenda: "Faze atos de humildade ocultos; são mais seguros que os exteriores.”
O Pe. Gaetano enumera oito vícios que alimentam o orgulho e destroem a vida interior: presunção, ambição, inveja, vanglória, jactância, hipocrisia, desobediência e discórdia.
A presunção nos faz confiar demais em nossas forças espirituais.
A ambição busca honras e cargos por vaidade.
A inveja se entristece com o bem do próximo.
A vanglória deseja ser vista e elogiada.
A hipocrisia finge virtude.
A desobediência despreza a vontade de Deus manifestada pelos superiores.
A discórdia quebra a paz, porque o orgulhoso quer impor sempre a própria opinião.
O remédio para todos é o mesmo: um olhar constante para Cristo crucificado, que nada quis possuir senão o desprezo do mundo.
O orgulho inquieta, perturba e cria ansiedade, porque o homem orgulhoso vive fora da verdade. O humilde, ao contrário, é sereno, porque aceita a realidade como Deus a dispõe.
Essa paz é fruto da submissão à vontade divina. O homem humilde não se revolta contra os sofrimentos; vê neles a mão de Deus e os transforma em oração. A paciência é a prova da verdadeira humildade.
A humildade não é apenas uma virtude entre outras, mas a condição indispensável para a salvação. Sem ela, nenhuma boa obra agrada a Deus; com ela, até as menores ações tornam-se meritórias aos olhos do Senhor.
A alma verdadeiramente humilde não se compara com os irmãos, mas a Cristo crucificado. E, ao fazê-lo, reconhece sua miséria e sua esperança: tudo o que é bom vem de Deus, tudo o que é mal vem de si mesma.
Assim, a humildade se torna não uma mortificação amarga, mas uma alegria profunda de saber que estamos aprendendo na escola de Nosso Salvador Jesus Cristo, que é manso e humilde de Coração.
BERGAMO, Gaetano Maria da. Humility of Heart. Traduzido pelo Cardeal Herbert Vaughn, Inglaterra: Aeterna Press, 1903.