
Santo Inácio de Loyola, fundador dos jesuítas, teve antes uma juvetude não muito exemplar. Ele era cavaleiro e em 1521, durante a defesa da fortaleza de Pamplona, foi gravemente ferido por uma bala de canhão, que lhe quebrou a perna.
Durante sua longa convalescença, sem romances de cavalaria à disposição, leu a Vida de Cristo e as Vidas dos Santos. Essas leituras provocaram nele uma profunda conversão.
Após peregrinar a Montserrat e passar um tempo de retiro e penitência em uma caverna, recebeu grandes luzes místicas. Foi ali que Nossa Senhora e o próprio Cristo o instruíram nas vias da oração e na ciência dos movimentos da alma — ensinamentos que ele condensou nos seus Exercícios Espirituais.
Nessa obra, ele ensina a alma a discernir a vontade de Deus a ordenar a própria vida para a salvação da alma, o que exige precisamente o discernimento dos espíritos, isto é, saber se uma moção que recebemos veio de Deus ou do demônio.
Santo Inácio não fez um rol taxativo de atuação dos espíritos, mas seus Exercícios Espirituais nos permitem fazer as seguintes anotações:
1. Para os que vão de pecado mortal em pecado mortal, o inimigo costuma propor prazeres aparentes, fazendo imaginar deleites e sensualidades; o bom espírito, ao contrário, desperta remorso e peso de consciência. Ou seja, quando no pecado, o demônio consola; mas Deus incomoda o pecador.
2. Nos que buscam purificar-se, o bom espírito dá coragem, consolação e lágrimas; o mau traz tristeza, inquietação e obstáculos. Assim, para quem está no caminho do bem, o espírito bom consola; o mau, perturba.
3. O anjo mau se disfarça de anjo de luz, iniciando pensamentos bons para depois desviá-los para fins maus.
4. O espírito bom termina sempre com paz e humildade; o mau, com orgulho e inquietação.
5. Devemos examinar o princípio, meio e fim de todo movimento interior; se em algum ponto leva ao mal, o espírito não vem de Deus. Quando o inimigo engana, sua astúcia se descobre: o resultado é tristeza ou distração da alma.
6. É sinal de bom espírito quando inspira alegria suave e duradoura; o espírito mau deixa prazer inquieto e passageiro.
7. O espírito mau enfraquece, entristece e inquieta a alma; o espírito bom dá força, paz e coragem ao cristão.
Diferenças mais sutis só são perceptíveis a almas mais avançadas. Em todo caso, é aconselhável possuir um diretor espiritual sábio, ao qual se possa manifestar esses movimentos da alma e pedir auxílio no discernimento, especialmente se a pessoa é escrupulosa.
Consolação espiritual é todo aumento de fé, esperança e caridade, e toda alegria interior que chama e atrai às coisas celestes. Desolação espiritual é escuridão, agitação, tibieza, desconfiança e separação da presença divina.
Em tempo de desolação, nunca se deve mudar as decisões tomadas em consolação, pois o mesmo Espírito que antes conduzia agora apenas prova a alma.
Durante a desolação, devemos resistir à provação com intensidade, dedicando-se mais à oração, ao exame de consciência e à penitência.
Devemos nos lembrar de que Deus permite a desolação para testar a fidelidade e purificar o amor. Na consolação, devemos nos preparar para a desolação futura, guardando forças e lembranças da graça.
Santo Inácio elenca ainda três causas possíveis para a desolação:
1. Tibieza e negligência da alma;
2. Provação divina para ganho de mérito;
3. Para Deus nos ensinar que tudo é graça.
Na desolação, devemos confiar e esperar, pois Deus dá sempre graça suficiente para resistir. Quem está consolado deve humilhar-se e lembrar-se de que virá tempo de provação.
O inimigo se comporta como uma mulher fraca: perde coragem quando resistido firmemente; ele age como amante pérfido, que quer segredo: vence quando a alma esconde suas tentações; perde quando ela as revela ao confessor ou diretor espiritual; e atua como chefe de exército, que observa o ponto mais fraco da fortaleza: ataca a nossa fraqueza dominante.
O discernimento dos espíritos é a arte de reconhecer como Deus e o inimigo movem nossa alma para o bem e para o mal, respectivamente.
Santo Inácio o recebeu como dom divino e o escreveu em seus exercícios espirituais, para que fosse melhor aproveitado pelas almas em um retiro.
Na impossibilidade de nos retiramos durante um mês inteiro, podemos (e devemos) memorizar as regras que ele elenca para agirmos bem em nossas vidas e ordenar todas as coisas para a vontade de Deus.
São Paulo nos exorta a nos revestirmos da armadura de Deus (Ef 6). Santo Inácio depôs suas armaduras de cavaleiro da corte para revestir-se da armadura de que fala o Apóstolo, e deu-nos também essas armas contra o demônio, para melhor combatermos esse inimigo infernal.
Peçamos a ajuda do nosso Anjo da Guarda e os Dons do Espírito Santo, encomendemo-nos à Santíssima Virgem e, se possível, confiemo-nos à direção de um sacerdote prudente.
Se Deus é por nós, quem será contra nós? (Rm 8,31).
ÍÑIGO DE LOYOLA. Ejercicios espirituales. El Templario Editorial, 1833.
HENRI BARRIELLE, S.J. La direction spirituelle selon saint Ignace. Paris: Éditions Fideliter, 1995.