
As virtudes cardeais recebem esse nome por causa do significado do termo “cardeal”, que vem do latim "cardo, cardinis", cujo sentido principal é “eixo”. A ideia central é a seguinte: assim como as coisas giram em torno do eixo, toda a vida moral gira em torno dessas virtudes. Na filosofia moral da Antiguidade já se reconhecia que certas virtudes eram fundamentais para ordenar a conduta humana. Quando o pensamento cristão assimilou essa tradição, manteve o conceito e o nome.
Elas são chamadas “cardeais” porque sustentam as demais virtudes morais; ordenam a ação humana de modo estável; e funcionam como princípios estruturantes da vida ética. Elas são quatro: prudência – orienta a razão prática e governa as decisões; justiça – regula as relações com o próximo; fortaleza – dá firmeza diante das dificuldades; e temperança – modera os apetites e paixões.
A temperança reside no apetite concupiscível e é a virtude que mantém o apetite humano moderado, impedindo que ele vá a extremos em relação às coisas que dizem respeito aos prazeres do tato, seja por excesso, seja por defeito.
Santo Tomás diz que o seu objeto próprio é, de fato, o prazer, mas especificamente em relação ao tato. Isso inclui a comida (é preciso tocar o alimento para comê-lo) e também diz respeito às relações conjugais. Portanto, são essas duas coisas às quais ela se aplica diretamente. Evidentemente, na intemperança há diferentes extremos, pois ela pode ocorrer em ambos os lados.
A primeira virtude que está sob a temperança é a virtude do pudor ou da vergonha. Atualmente, por causa da psicologia moderna, a maioria das pessoas pensa que a vergonha é algo mau ou negativo, quando, na verdade, na visão de Santo Tomás, ela é uma virtude. Essa virtude é aquela pela qual a pessoa teme ser percebida como vil. Essa é a definição de vergonha: o temor de ser percebido como baixo ou vil.
Essa vergonha desempenha um papel particular na moderação das coisas, especialmente em relação à busca de coisas baixas, isto é, aquelas que dizem respeito ao ato conjugal e à comida. Quando alguém não tem vergonha, ela fala das coisas ligadas ao sexto mandamento (por exemplo) sem qualquer pudor, sem nenhum temor de serem vistas como baixas. Esse pudor precisa ser moderado, no sentido de não ser excessivo (não se deve ter vergonha daquilo que não é vergonhoso), nem inexistente.
Atualmente, vemos mais frequentemente o extremo da ausência total de vergonha. As pessoas não têm vergonha alguma, não apenas em relação à comida ou ao sexto mandamento, mas também em manifestar sua ignorância.
Vê-se isso também em políticos: mentem descaradamente, sabem que estão mentindo, sabem que os outros sabem que é mentira, e mesmo assim continuam. Fazem isso para silenciar objeções e continuar fazendo o que querem.
Outra virtude sob a temperança é a honestidade. Ela não se traduz exatamente como honestidade no sentido moderno de veracidade, mas como o hábito de sempre buscar agir virtuosamente em todas as situações.
Não importa o que a pessoa esteja fazendo: ela sempre procura garantir que sua ação esteja de acordo com a virtude. Às vezes essa virtude é traduzida como integridade, mas há uma diferença: a integridade é algo negativo (significa que não falta nenhum bem), enquanto a honestidade, nesse sentido tomista, é positiva: é a busca ativa da excelência em todas as áreas da vida.
A seguir vem a abstinência, que é a virtude pela qual a pessoa se abstém de certos tipos de alimentos. Existe uma abstinência natural e uma abstinência sobrenatural. A sobrenatural é praticada por amor a Deus, para subjugar as faculdades e aproximar-se d’Ele.
A abstinência natural também existe, e é curioso notar que muitas pessoas reclamam das regras da Igreja sobre jejum e abstinência, mas depois fazem dietas, que são essencialmente a mesma coisa, apenas com motivação diferente.
Depois vem o jejum, que consiste em restringir a quantidade de alimento ou deixar de comer por certo tempo. Hoje fala-se muito dos benefícios do jejum para a saúde, desde que seja feito com moderação e corretamente.
As atuais regras da Igreja sobre o jejum são suficientes para a obediência, mas não para desenvolver a virtude do jejum segundo a lei natural. Jejuar apenas dois dias por ano não desenvolve a virtude; é necessário algo constante, porque as virtudes exigem perfeição.
Antigamente, havia muitos outros dias no calendário da Igreja em que o jejum e abstinência eram obrigatórios. Naquela época, sim, as leis da Igreja eram suficientes para desenvolver também essa virtude do jejum.
A sobriedade é a virtude que se situa no meio termo entre excesso e defeito no uso do álcool. O abstencionismo absoluto não é virtude, assim como a embriaguez também não é. Se alguém não bebe porque não gosta ou por motivos de saúde, tudo bem; mas se evita o álcool por achar que ele é intrinsecamente mau, isso não é virtude.
Aqui surge a questão de os pais oferecerem álcool aos filhos menores de idade. Em países católicos, tradicionalmente a resposta sempre foi afirmativa, no sentido de que os pais têm o direito natural de ensinar aos filhos a moderação no uso do álcool. Uma lei civil não pode anular esse direito natural, ainda que, na prática, possa haver outras considerações prudenciais.
A sobriedade está no meio termo, e esse meio é relativo à pessoa. O quanto alguém pode comer ou beber depende de sua constituição, de seu trabalho e de sua tolerância. A embriaguez torna-se pecado mortal quando compromete gravemente o uso da razão em matéria moral; se afeta apenas levemente, pode ser pecado venial; se não afeta, não há pecado.
Muitas pessoas hoje não sabem que a embriaguez é pecado mortal, precisamente porque remove o uso da razão, tornando a pessoa incapaz de agir moralmente.
A continência é a firmeza da vontade que permanece estável apesar da turbulência dos apetites. A castidade é a virtude que modera os prazeres ligados ao sexto mandamento. A virtude da virgindade é o hábito da alma de não tomar prazer, nem mesmo interiormente, nas coisas relacionadas ao sexto mandamento. Assim, alguém pode ser materialmente virgem e não ser formalmente virgem, e o contrário também é verdadeiro.
Hoje, a virgindade não é valorizada; pelo contrário, é vista como uma etapa a ser superada. No entanto, Santo Tomás ensina que a pureza traz clareza intelectual e beleza espiritual. A luxúria obscurece o juízo, não apenas em questões sexuais, mas em toda a vida. A pureza gera uma beleza interior semelhante à pureza de um rosto sem manchas.
A clemência ou mansidão modera o prazer que a pessoa sente na vingança. A falta dessa virtude leva ao desejo imediato de punir o outro. A clemência modera a punição mesmo quando ela é justa, visando o bem da pessoa. Os pais sabem bem disso: há momentos em que punir é bom, e outros em que é prejudicial.
A modéstia inclui várias virtudes: a modéstia propriamente dita (no vestir e no agir), a humildade, a esportividade, o decoro e o silêncio. A falta de esportividade, por exemplo, aparece quando alguém exagera na celebração de uma vitória ou reage com raiva a uma derrota.
O decoro regula o comportamento externo de acordo com as circunstâncias. Profanidade e vulgaridade violam o decoro. Usar o nome de Deus em vão é mais grave do que palavrões obscenos, ainda que a cultura atual pense o contrário.
A virtude do silêncio regula tanto a fala quanto o recolhimento interior. Falar demais ou fazer barulho desnecessário é contrário a essa virtude, assim como o silêncio quando a caridade exige uma palavra.
Por fim, a simplicidade regula a posse dos bens externos. Ela exige que não se possua mais do que o necessário, levando em conta o estado de vida da pessoa. Isso vale tanto para quantidade quanto para qualidade. O acúmulo excessivo é contrário a essa virtude.
Há distinção entre necessidade absoluta e relativa. Algumas coisas não são absolutamente necessárias, mas são convenientes para o decoro e para o desenvolvimento humano e espiritual.
Os pecados contra a temperança incluem a gula, a embriaguez, os pecados contra a castidade, a incontinência, a ira desordenada, a tristeza excessiva, o orgulho, a curiosidade desordenada e a falta de boas maneiras.
A temperança não nega o prazer. O prazer é um bem que acompanha uma ação bem ordenada e facilita sua realização. O problema surge quando o prazer é buscado como fim em si mesmo.
À medida que a pessoa cresce na virtude, desenvolve uma certa naturalidade nas relações humanas. As excentricidades diminuem, porque as faculdades se submetem à razão. É por isso que Cristo é perfeitamente acessível: Ele não tem excentricidades, mas uma perfeição universal que O torna capaz de ser “tudo para todos”.
À medida que os defeitos são removidos e as virtudes se estabelecem, essa naturalidade se impõe espontaneamente. Isso exige também cura interior e disposição para ser vulnerável. Sem isso, as relações humanas se tornam artificiais e defensivas.
Essa naturalidade é fruto da virtude plenamente desenvolvida, na qual permanecem todas as perfeições, mas nenhum defeito.
Peçamos a Nossa Senhora que nos faça plenamente temperantes e nos alcance no Céu um bom lugar perto d’Ela.
Santo Tomás de Aquino. The Summa Theologiæ of St. Thomas Aquinas. 2. ed. rev. 1920. Online Edition by Kevin Knight. Disponível em: https://www.newadvent.org/summa/.